
Servidora que investigava caso “Professor Monstro” prorrogou diligências 20 vezes
Conforme o relatório passaram-se cerca de três anos e cinco meses sem qualquer diligências processuais em um processo que envolvia suposto assédio de criança...

Publicado em
Por Silmara Santos
Mais acessadas agora

O relatório sobre a sindicância que investiga a demora na conclusão das investigações sobre caso do “Professor Monstro” foi divulgado nesta terça-feira (03). O relatório se refere ao abuso sexual a uma criança de três anos por um agente de apoio de um Centro Municipal de Educação. O caso, que começou a ser investigado em 2019, teve o servidor afastado do cargo apenas em novembro de 2024, quase cinco anos após o início das investigações.
Diante dessa situação, o Processo nº 59.175/2025 – Sindicância – Portaria nº 385/2025-GAB foi instaurado para apurar as causas da demora na investigação do caso. O objetivo é entender os motivos que levaram a tal atraso no Processo Administrativo Disciplinar nº 4118/2021, originário do Processo de Investigação Preliminar Sumária nº 49.438, de 29/07/2020.
Ao final do Parecer Conclusivo, foram expedidas recomendações que incluem a abertura de um Processo Administrativo Disciplinar para apurar a conduta da servidora responsável pelo atraso na entrega do PAD. Além disso, foi sugerida a nomeação de um servidor para o cargo de Corregedor Municipal e a elaboração de normativas de padronização de procedimentos processuais.


Outras recomendações incluem a necessidade de reposição de, no mínimo, mais duas vagas de servidores para atuarem como Presidentes de Comissão e a criação de um fluxo entre a Secretaria Municipal de Educação e a Controladoria-Geral/Corregedoria do Município para acompanhar os Processos Administrativos Disciplinares de maior relevância.
O Ministério Público do Estado também deve tomar ciência dos fatos narrados, para tomar as medidas que entender cabíveis, fornecendo-lhe cópia dessa sindicância, se for o caso.
Seguindo as recomendações, foi informada a imediata designação do cargo de Corregedor Municipal, conforme o Decreto 19495, de 30/05/2025.
Linha do tempo
Na decisão da sindicância há uma linha do tempo que inicia no dia 18/06/2020 a mãe do aluno informou à Diretora do Centro Municipal de Educação Infantil o suposto abuso sexual contra seu filho;
Em 19/06/2020: Data do Boletim de ocorrência realizado pela mãe do aluno;
22/06/2020: Data da Comunicação Interna em que o Departamento Pedagógico da Secretaria Municipal da Educação noticia o suposto assédio do aluno para o Gabinete da sua Secretária;
23/06/2020: Data da Comunicação Interna em que a Secretaria Municipal de Educação solicita a abertura de Sindicância em relação ao suposto assédio do aluno;
29/07/2020: Abertura do Processo de investigação preliminar sumária/IPS.
31/07/2020: Data em que o então Secretário da Casa Civil e Transparência distribui a IPS para uma de suas servidoras;
12/01/2021: Após inúmeras diligências, ofícios (NUCRIA, Ministério Público, Conselho Tutelar, Secretaria Municipal de Educação), e-mails, contato telefônico, e audiências para oitiva de testemunhas, tudo documentado, a investigadora apresentou seu relatório conclusivo.
19/01/2021: O cartório da Corregedoria Municipal distribuiu para a servidora NS os autos para abertura do Processo Administrativo Disciplinar;
12/02/2021: Abertura do Processo Administrativo Disciplinar, por meio da Portaria, fazendo constar como Presidente a servidora e membros.
26/02/2021: O Secretário Municipal da Casa Civil, Transparência, Prevenção e Combate a Corrupção editou a Portaria suspendendo as audiências presenciais em razão da COVID-19.
Conforme o relatório, até esse ponto, não se observou atraso injustificado no andamento do processo.
09/04/2021: A Presidente da Comissão apresentou o primeiro pedido de prorrogação do prazo da portaria alegando, em suma: necessidade de realizar diligências, grande demanda de trabalhos, carências do Setor e COVID-19;
Com relação a alegada demanda de trabalho e carências do setor, a Presidente da Comissão alegou também a necessidade de realizar diligências sem demonstrar qualquer dessas diligências que tenha realizado, e, mesmo assim, ela apresentou o segundo pedido de prorrogação do prazo da portaria em 28/05/2021, e assim procedeu inúmeras vezes em: 23/07/2021, 13/09/2021, 12/11/2021, 07/01/2022, 07/03/2022, 06/05/2022, 01/07/2022, 26/08/2022, 21/10/2022, 15/12/2022, 10/02/2023, 06/04/2023, 02/06/2023, 28/07/2023, 22/09/2023, 17/11/2023, 12/01/2024 e 08/03/2024.
03/06/2024: O Controlador-Geral do Município decide substituir a Presidente da Comissão processante e designar outra servidora em seu lugar. Desde a data que a servidora foi nomeada Presidente do Processo Administrativo Disciplinar em 12/02/2021 (data da Portaria Inaugural) até quando o Controlador-Geral designou outra servidora em 03/06/2024, nenhuma diligência foi tomada pela servidora, a não ser as prorrogações de portaria.
Ressalta-se a gravidade do fato, ou seja, passaram-se cerca de três anos e cinco meses sem qualquer diligências processuais em um processo que envolvia suposto assédio de criança promovido por servidor público da rede pública de ensino municipal.
10/06/2024: Por meio da Portaria n° 528/2024 todos os membros da Comissão Processante foram substituídos;
21/10/2024: A Comissão processante realizou todos os atos e diligências cabíveis e entregou o relatório conclusivo.
O que disse a servidora?
Ainda conforme o relatório, a servidora em seu depoimento disse que o processo administrativo resultou em uma IPS e que não havia provas, tinha somente a denúncia e a oitiva dos servidores do CMEI, então essa IPS foi enviada para abertura de um Processo Administração, sendo que questionou essa distribuição “porque não é advogada, é só uma agente administrativa com formação em psicologia”.
Alegou que o Controlador ignorou esse questionamento, mesmo havendo advogado no setor.
Contou que os advogados que passaram no setor auxiliavam bastante.
Disse que se sentia desamparada, administrativo, fazendo esse trabalho de advogado. Mencionou que foi muito difícil por não ter provas para tocar o PAD, não tinha áudio, vídeo ou materialidade, então, esperou a investigação da Policia Civil. Se fosse ouvir todo mundo de novo, eles iam falar a mesma coisa, então, estava aguardando a conclusão do Processo, do NUCRIA, para utilizar a prova emprestada.
Alegou que por haver criança envolvida, o NUCRIA não passava informação, era sigiloso, ficou esperando alguma prova a mais do NUCRIA para utilizar essa prova emprestada e ia tocando os outros processos.
Ao ser perguntada se chegou a oficiar o NUCRIA, não se lembrou e depois disse que tinha que ter oficiado e por fim, não tem certeza, mas disse que oficiou uma vez. (fl. 18).
No que se refere a alegação da servidora que não era advogada, só uma agente administrativo, não lhe assiste razão, vez que, nos termos da Lei Municipal 2215/1991, não é requisito para atuar em Processo Administrativo Disciplinar ter formação em Direito, ainda que isso seja recomendável.
Do depoimento da servidora é possível inferir que ficou todo o tempo aguardando a conclusão do processo judicial e/ou alguma prova emprestada do NUCRIA, porém, essa Justificativa não se sustenta porque sequer há nos autos algum e-mail ou ofício direcionado pela servidora ao NUCRIA ou Polícia Civil.
Comparando essa declaração da servidora com a fase da IPS (mídia de 1.07), nota-se, que a investigadora da IPS promoveu várias diligências, comprovadamente para diversos órgãos (NUCRIA, Ministério Público, Conselho Tutelar, Secretaria Municipal de Educação), e-mails, contato telefônico, e audiências, ou seja, era de se esperar que as alegações da servidora encontrassem respaldo documental, o que não houve.
Esse zelo que deve ficar demonstrado no processo quanto a documentar as diligências tomadas, também restou revelada no depoimento da servidora, pois mencionou que as portarias são renovadas e que cada PAD tem um direcionamento, uns duram, por exemplo, três meses, outros demoram um pouco mais, pois tem férias ou afastamentos dos servidores, porém, mencionou que um PAD leva em média um ano para ser concluído. Explicou que quando solicita ofícios para outros órgãos, sempre assinala prazo de três dias quatro quando são as Secretarias e quando é para fora, coloca cinco dias e quando é pedido dilação de prazo, é tudo colocado no Processo.
Lembrou que nessas circunstâncias é cobrado para não deixar ao léu, até a pessoa lembrar, inclusive, em alguns momentos, o Controlador precisou intermediar alguma cobrança junto as Secretarias e ele cobrou (fl. 20).
A servidora ainda citou que esse PAD foi sendo deixado em razão de outros que iam chegando e outros que eram cobrados para ir dando conclusão, outros PADS, outras IPS, e esse ia ficando, porque justamente não tinha, nenhum elemento novo agregado a ele, inclusive o servidor não tinha sido afastado, ele continuava trabalhando.
Nesse ponto a servidora alega que não havia novo elemento agregado ao processo que justificasse sua movimentação, contudo, é estranha essa afirmação na medida em que elementos novos surgem a partir de decisões e medidas tomadas de forma espontânea, então se isso não ocorre, o processo realmente fica sem elemento novo.
Isso faz lembrar que o que determina a Lei 9.784/1999, no sentido que o processo terá impulso oficial, eis: De fato, o impulso oficial ao PAD deveria ter sido feito, a princípio, por qualquer dos membros da Comissão processante, afinal estavam investidos dessa atribuição por força da Portaria nº 0169/2021.
Quanto a isso a servidora em questão em seu depoimento não demonstrou ter conhecimento de que alguma documentação foi enviada à Controladoria-Geral do Município pela Secretaria de Educação cobrando sobre o PAD. No caso específico, ficaram sabendo dos fatos em Junho de 2020, período de Pandemia e as aulas estavam suspensas.
Diz ainda que se fosse um período normal de aula pediria um remanejamento do servidor acusado, ou alguma coisa, e cobraria da Corregedoria para estar fazendo diligências; no caso desse antigo servidor, especificamente, as aulas voltaram um ano e pouco depois de forma presencial.
Lembrou que o antigo servidor acusado trabalhava na secretaria do CMEI. Relatou que não caberia à Secretaria de Educação dar impulso oficial ao PAD, porque existe um prazo, uma lei, que prevê 120 dias para ser concluído, 60 dias mais 60 dias, e aí a gente aguarda, sabendo que na Corregedoria as coisas demoravam mesmo. Mencionou que não compete à Secretaria de Educação interferir no trabalho da Corregedoria.
A servidora completou dizendo que há casos em que o PAD iniciado em 2019 foi concluído em 2023 e em outras situações demorou três ou quatro anos para ser concluído, declarou que até então tinha um relato e registros em ata e sabia que na Corregedoria demorava.

A servidora ainda alegou que a demanda de processos, “era muita pressão, pediu para sair por pressão”. Mencionou que estava com 24 processos quando saiu e que o setor estava sobrecarregado por falta de servidores e a servidora chegou a enfrentar problemas de saúde por tanta pressão no setor e por isso teria pedido para sair.
“Comentou que acredita que o excesso de trabalho se configura um assédio Institucional (a cobrança por produção, sem ter as devidas condições para trabalho), até pela falta da bagagem jurídica e completa dizendo que faltou muito assessoria jurídica (fl. 18)”.
Quanto as prorrogações, a servidora alegou que entrou no setor em março ou abril de 2020 e foi aprendendo sobre o processo administrativo com auxílio de colegas e cursos e que havia sobrecarga de trabalho e ” pelo que se lembra, só copiava a mesma justificativa de um para o outro processo”. Ela disse ainda que no processo do “Professor Monstro” as prorrogações das portarias eram decisões que tinham que ser tomadas, pois ela estava esperando definições do Nucria.

Contraponto
A servidora responsável alegou em seu depoimento que não chegou a receber pedidos verbais ou formais para dar atenção especial ao caso de abuso sexual. Porém, essa alegação se contrapõe ao depoimento de outra servidora que alegou que em meados de março de 2024, mediante solicitação, o Prefeito Paranhos pediu ao Controlador os Processos Administrativos que ele tinha assinado a Portaria.
“Queria resolver até dezembro daquele ano, e a partir desse momento, o Controlador solicitou a conclusão de todos os processos, bem como uma relação de todos os processos”.
Essa mesma servidora revelou que na época eram cinco presidentes de Comissão e que mediante a solicitação do Controlador já foi “organizando seus processos”.
Essa mesma servidora afirmou que o controlador sempre pedia pelos processos que estavam parados e isso gerou dúvidas sobre qual processo estava parado e em determinado dia perguntou ao Controlador qual seria o processo parado e ele respondeu que não seria nenhum dela.
Relatou que a partir daí a situação foi se aclarando, e descobriu-se que se tratava de processo que estava com a servidora investigada. Contou que um dia, estava em sua sala e de repente, escutou umas falas bem absurdas e altas do lado, foram palavras bem atravessadas e, no meio dessas falas, sempre o controlador falando com muito jeito.
“Eram palavras fortíssimas falando em direção ao Controlador, e ele sempre falando: não, mas calma, deixa eu falar. Ah sim, eu quero saber, sim”.
Segundo ela as palavras de retorno eram sempre muito fortes, não eram agressivas ou de xingamentos, mas eram sempre um rebate.

Conclusão
Em uma primeira conclusão fica esclarecido que a demora na conclusão do Processo Administrativo Disciplinar se deu de forma preponderante e primária em razão da ausência de movimentação e diligências processuais por parte da então Presidente, pois durante mais de três anos se limitou a pedir as prorrogações das Portarias sem comprovar, no processo, qualquer medida de ofício para o desenrolar o Processo Administrativo.

Diante de tudo que foi exposto a Comissão estabeleceu como causa primária para demora na conclusão do PAD a ausência de movimentação e diligências processuais por parte da então Presidente, pois durante mais de três anos se limitou a pedir as prorrogações das Portarias sem comprovar no processo qualquer medida de ofício para o desenrolar do PAD, estando assim sujeita as penalidades dispostas na Lei 2.215/1991 uma vez que é servidora pública efetiva.
“E, como causa de menor relevância, a Comissão aponta indícios de falha da própria estrutura da Controladoria-Geral pela ausência de um Corregedor, o que seria capaz de agir em caráter preventivo, evitando irregularidades e estabelecendo orientação técnica e normativa nas matérias pertinentes ao tema evitando, quiçá, a demora processual que ora se analisa”.

Recomendações
Com base em tudo o que foi apurado, esta Comissão apresenta as seguintes recomendações:
Instauração de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) para apurar a conduta da servidora sugerindo-se que a contagem do prazo prescricional punitivo tenha início na data da infração. Tal infração é evidenciada, neste caso, pela decisão do Controlador-Geral do Município, datada de 03 de junho de 2024, que determinou a substituição da servidora e a designação de outra em seu lugar (conforme demonstrado na mídia digital da fl. 07, pasta “2 — Processo Disciplinar 4118-2021”, subpasta “fls. 02 a 321 — Dados pessoais anonimizados ocred”, página 71 do processo).
Considerando que foi constatado que a Controladoria-Geral do Município opera com número insuficiente de servidores designados para atuar em Processos Administrativos Disciplinares (PADs), recomenda-se que sejam providas, no mínimo, duas vagas adicionais para servidores que atuem como Presidentes de Comissão. Caso essas vagas não existam atualmente, que sejam criadas por meio de previsão legal específica, com o devido remanejamento orçamentário para garantir a cobertura da despesa.
Recomenda-se, com veemência, a nomeação de um servidor para ocupar o cargo de Corregedor Municipal.
Que a Controladoria-Geral/Corregedoria do Município elabore normativas com diretrizes claras de padronização dos procedimentos processuais. Essas normativas devem incluir, por exemplo, a obrigatoriedade de notificação formal e por escrito dos membros designados para as comissões, bem como o registro de todas as diligências processuais no respectivo processo.
Que a Secretaria Municipal de Educação adote como boa prática a criação de um fluxo de comunicação e acompanhamento com a Controladoria-Geral/Corregedoria do Município, especialmente para os Processos Administrativos Disciplinares de maior relevância.
Por fim, recomenda-se que o Ministério Público do Estado tome ciência dos fatos narrados neste relatório, para que adote as providências que considerar cabíveis, sendo fornecida, se necessário, cópia integral da presente Sindicância.
Notícias Relacionadas:
Whatsapp CGN 3015-0366 - Canal direto com nossa redação
Envie sua solicitação que uma equipe nossa irá atender você.
Participe do nosso grupo no Whatsapp
ou