Após decisão do STJ, Guarda Municipal pode ou não pode prender? Município diz que sim, advogado criminalista afirma que não
Para o colegiado Superior Tribunal de Justiça, a atuação das Guardas Municipais deve se limitar à proteção de bens, serviços e instalações do município...
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Por Silmara Santos
Na semana passada, a CGN divulgou uma decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre a atuação da Guarda Municipal de um município em relação a detenção de uma pessoa por tráfico de drogas.
A Sexta Turma do STJ reforçou o entendimento de que a guarda municipal, por não estar entre os órgãos de segurança pública previstos pela Constituição Federal, não pode exercer atribuições das polícias civis e militares. Para o colegiado, a sua atuação deve se limitar à proteção de bens, serviços e instalações do município.
A tese foi firmada em julgamento de recurso no qual foram declaradas ilícitas as provas colhidas em busca pessoal feita por guardas municipais durante patrulhamento rotineiro. Em consequência, foi anulada a condenação do réu por tráfico de drogas.
Diante da publicação, a reportagem buscou trazer maiores esclarecimentos sobre a questão e se as abordagens e detenções realizadas pela Guarda Municipal de Cascavel teriam procedência e se ainda seriam legais diante da jurisprudência aplicada no STJ.
A CGN teve dificuldades em obter respostas da Pasta de Segurança Pública sendo que, nesta manhã, o Diretor da SESPPRO – Secretaria Municipal de Segurança Pública e Proteção à Comunidade recebeu a equipe para conversar sobre o fato.
Conforme Alexandre Henrique dos Santos, a decisão do Superior Tribunal de Justiça seria relacionada a um processo pontual sobre o tráfico de drogas e não sobre a legalidade dos órgãos de segurança pública municipais.
“Este processo ainda tem recurso, pode chegar até o STF (Supremo Tribunal Federal), não é um processo específico para a Guarda Municipal, da atuação da Guarda Municipal, é algo a respeito daquele processo de apreensão de drogas. No entanto, hoje, o próprio município pode falar: O que seria do Município se tirássemos a Guarda Municipal? Então, na estrutura que o Governo tem se organizado, o sistema de segurança tem se estruturado, retirar a Guarda Municipal da sua atuação, acredito que seja inviável e a população irá sentir na pele caso isto ocorra, que, ao meu ver, isto não irá ocorrer”.
Diretor da SESPPRO – Alexandre Henrique dos Santos
Os representantes da Prefeitura haviam informado, incialmente, que só iriam se pronunciar após receberem as orientações da Procuradoria do Município.
A CGN também buscou um especialista na área de direito para verificar se o entendimento do STJ deveria ou não ser aplicado em Cascavel.
Conforme o advogado criminalista Ismael Kalil, a real função da Guarda Municipal é proteger bens, serviços e instalações do município. Ele destacou que, por exemplo, as Polícias Civil e Militar estão subordinadas ao Ministério Público e a Guarda Municipal à Prefeitura.
“A Guarda Municipal, a função constitucional da Guarda Municipal é proteger bens, serviços e instalações dos Municípios. Pronto e Acabou. Ponto Final. Guarda Municipal não é Polícia, não tem poder de Polícia e não tem atribuição de Polícia. A Constituição Federal quando criou e legitimou as Guardas Municipais, excluiu elas do rol da Polícia Civil e da Polícia Militar. Polícia Civil e Polícia Militar estão subordinadas ao Ministério Público e a Guarda Municipal não. Está ligada ao Prefeito. Então, qualquer atitude ou atividade da Guarda Municipal assemelhada de Polícia, ou seja, de ostensiva ou investigativa, além de ser uma prova nula, além de anular o processo, cabe procedimento administrativo contra o guarda e uma ação de indenização contra o município. Então, Guarda Municipal quer agir como polícia? Com todo o respeito, vai fazer concurso para Polícia”
Ismael Kalil – Advogado Criminalista
Em relação a esta dúvida que paira sobre a legitimidade da atuação da Guarda Municipal, o Diretor da Secretaria Municipal de Segurança Pública relatou que existe uma MP (Medida Provisória), que ainda está sendo discutida pelo Legislativo, poderá ser incluída na Constituição Federal e “sanar esta questão”.
“Existe uma MP (Medida Provisória). É uma questão parlamentar, uma questão de legislativo, que caso houver a inclusão de forma expressa da Guarda Municipal no Artigo 144 da Constituição Federal irá sanar, podemos dizer, esta questão de dúvida”.
Diretor da SESPPRO – Alexandre Henrique dos Santos
Mas e daí, a Guarda Municipal pode ou não pode prender e apreender?
Até o momento, a princípio, não há nenhuma ação judicial que busque a desmobilização ou impedimento das atribuições dos órgãos municipais. Entretanto, conforme o advogado criminalista Ismael Kalil, na visão dele, as pessoas detidas poderão requerer a nulidade das provas que forem apresentadas pela GM nos processos.
“Tem que buscar no judiciário a nulidade disto. Por exemplo, se uma equipe de Guarda Municipal fica fazendo uma campana em um eventual ponto de drogas ou se faz uma prisão de determinada pessoa, ela por si, cabe requerer que esta prova saia do processo. O juiz tem que declarar nula esta prova, porque foi exercido este ato por quem não tem poder legal. Nós que somos particulares podemos fazer tudo que a Lei não proíbe, mas um agente público e eles sabem muito bem disto, só podem fazer o que está determinado na Lei. GM não é Polícia. Se fizer ato policial, é exceção, é raro, é um ou outro caso que pode, mas de regra geral os atos realizados por GM são todos nulos e cabe procedimento disciplinar contra este povo”.
Ismael Kalil – Advogado Criminalista
Bom, a princípio, a Guarda Municipal de Cascavel seguirá com as atividades normalmente e realizando as prisões e detenções habituais.
O órgão de segurança pública do município já vem há muito tempo auxiliando às Polícias Civil e Militar durante todos os procedimentos no município.
Diante do baixo efetivo dos órgãos estaduais, os diversos servidores e viaturas do Município desafogaram algumas demandas. As subdivisões de Patrulha Maria da Penha, Patrulha Ambiental e outros setores têm resultados efetivos na cidade e foram elogiados e corroborados pelos comandos das Corporações ‘parceiras’.
O Diretor da SESPPRO fez questão de ressaltar estes dados, mostrando a efetividade dos trabalhos realizados pela Guarda Municipal.
O que diz a decisão do STJ?
O relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, destacou a importância de se definir um entendimento da corte sobre o tema, tendo em vista o quadro atual de expansão e militarização dessas corporações.
Segundo explicou, o propósito das guardas municipais vem sendo significativamente desvirtuado na prática, ao ponto de estarem se equipando com fuzis, armamento de alto poder letal, e alterando sua denominação para “polícia municipal”.
Atribuições da guarda municipal foram definidas na Constituição de 1988
O ministro apontou que o poder constituinte originário excluiu propositalmente a guarda municipal do rol dos órgãos da segurança pública e estabeleceu suas atribuições e seus limites no parágrafo 8º do mesmo dispositivo.
Schietti observou que, apesar de estar inserida no mesmo capítulo da Constituição, a corporação tem poderes apenas para proteger bens, serviços e instalações do município, não possuindo a mesma amplitude de atuação das polícias.
Conforme o ministro, as polícias civis e militares estão sujeitas a um rígido controle correcional externo do Ministério Público e do Poder Judiciário, que é uma contrapartida do exercício da força pública e do monopólio estatal da violência. Por outro lado, as guardas municipais respondem apenas, administrativamente, aos prefeitos e às suas corregedorias internas.
Para ele, seria potencialmente caótico “autorizar que cada um dos 5.570 municípios brasileiros tenha sua própria polícia, subordinada apenas ao comando do prefeito local e insubmissa a qualquer controle externo”.
Não é qualquer um que pode avaliar se há suspeita para a busca
O ministro explicou que a guarda municipal não está impedida de agir quando tem como objetivo tutelar o patrimônio do município, realizando, excepcionalmente, busca pessoal quando estiver relacionada a essa finalidade. Essa exceção, entretanto, não se confunde com permissão para realizar atividades ostensivas ou investigativas típicas das polícias no combate à criminalidade.
Em seu voto, Schietti assinalou que a fundada suspeita mencionada pelo artigo 244 do Código de Processo Penal (CPP) é um requisito necessário para a realização de busca pessoal, mas não suficiente, porque não é a qualquer cidadão que é dada a possibilidade de avaliar sua presença.
Quanto ao artigo 301 do CPP, que permite a qualquer pessoa do povo efetuar uma prisão em flagrante, o ministro observou que não é fundamento válido para justificar a busca pessoal por guardas municipais, ao argumento de que quem pode prender também poderia realizar uma revista, que é menos grave.
A hipótese do artigo 301, segundo ele, se aplica apenas ao caso de flagrante visível de plano, o qual se diferencia da situação flagrancial que só é descoberta após a realização de diligências invasivas típicas da atividade policial, tal como a busca pessoal, “uma vez que não é qualquer do povo que pode investigar, interrogar, abordar ou revistar seus semelhantes”.
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