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Imagem referente a Escolas se enfeitam de novas tecnologias sem intensificar comunicação
© Eduko/Divulgação

Escolas se enfeitam de novas tecnologias sem intensificar comunicação

A experiência da Escola da Ponte inspirou outras instituições de ensino ao redor do mundo, inclusive no Brasil, onde José Pacheco chegou a participar da criação......

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Por CGN

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Passar da instrução para a aprendizagem é o resumo da proposta que tornou a Escola da Ponte, em Portugal, uma experiência inovadora de educação pública. Fundada em 1976, a instituição de ensino busca dar protagonismo ao aluno e ao processo de aprendizado, que se torna, ao mesmo tempo, mais autônomo e mais coletivo.

A experiência da Escola da Ponte inspirou outras instituições de ensino ao redor do mundo, inclusive no Brasil, onde José Pacheco chegou a participar da criação do Projeto Âncora, fundado no interior de São Paulo, em 1995.

Palestrante da primeira edição da Eduko, Bienal de novos saberes, que acontece nesta sexta-feira (28) e sábado (29), em Belo Horizonte, o pedagogo português José Pacheco reflete sobre tecnologia, diversidade e a educação do futuro. O evento é realizado por Sesc, Sistema Comércio MG e Senac.

“Os professores do futuro irão manter-se ancorados em aulas obsoletas servidas em lousas digitais? Irão replicar o planejamento de aulas congeladas no YouTube ou em tablets? Ou usar o digital a serviço da humanização da escola? Essa é a pergunta central. Não sou catastrofista, vejo tudo com o copo meio cheio. Mas as escolas têm se enfeitado de novas tecnologias sem intensificar a comunicação e a pesquisa. Pelo contrário, o modo como utilizam a internet fomenta a imbecilidade, a ignorância e a solidão”, define.

Em entrevista à Agência Brasil, o idealizador da escola, o educador, antropólogo e cientista da Educação José Pacheco vê a educação pautada pela competição e individualidade como uma das causas de conflitos sociais, extremismo e violência nas escolas. E na sala de aula tradicional, defende, é impossível se pensar em um trabalho pautado na coletividade.

Agência Brasil: A sua concepção do que deveria ser a Escola da Ponte mudou ao longo do tempo? Como a prática cotidiana impactou suas ideias?

José Pacheco: A Escola da Ponte foi a primeira escola, no contexto da rede pública de educação, que operou a transição entre o paradigma da instrução, o trabalho centrado no professor, para o paradigma da aprendizagem, o trabalho centrado no aluno enquanto sujeito de aprendizagem. Foi a primeira no ensino fundamental, e, em 1976, foi inovadora, porque cumpriu os cinco critérios que definem inovação: ser efetivamente inédita, ser sustentável na lei e na ciência, ser replicável, ser útil e estar sempre em fase instituinte. A inovação é algo instituinte, não pode parar de inovar. E o que aconteceu na Escola Ponte é que parou de inovar. É a melhor escola do meu país, é uma das melhores escolas do mundo, no mundo da educação, claro, mas ela cristalizou. É um objeto de turismo educacional.

Agência Brasil: Você idealizou um projeto de educação pautado pela coletividade em um tempo em que o individualismo parece cada vez mais exacerbado. Que resposta a educação deve oferecer a esse movimento, na sua visão?

Agência Brasil: Acompanha experiências similares à sua no Brasil? Como vê a aplicabilidade desse método em realidades socioeconômicas diferentes de da cidade do Porto?

José Pacheco: Quando me foi pedido que fizesse o projeto âncora, tive o cuidado de entrar nas favelas que rodeavam esse projeto e vivenciar aquilo que lá acontecia. Partindo do princípio que escolas não são prédios, são pessoas, e as pessoas são os seus valores, eu encontrei nas favelas, se nos abstrairmos do tráfico e das milícias, a matriz axiológica da Escola da Ponte, os valores. O valor da solidariedade, da responsabilidade e da autonomia. É muito claro nos favelados essa tripla dimensão axiológica. E tive o cuidado também de, enquanto europeu, correndo risco de etnocentrismo, ir às comunidades dos povos indígenas. Estive um tempo entre os pataxós, outro tempo entre os tupinambás e outro tempo entre os xavantes. Depois, fui aos quilombos. Fui a um quilombo do Campinho. Fui a um quilombo em Goiás, estive em vários, e encontrei a tradução clara daquilo que é o provérbio africano de que é preciso uma tribo inteira para educar uma criança. Depois dessas experiências, costumo dizer que quanto mais eu conheço o Brasil menos entendo, mas isso se deve ao caldo cultural em que o Brasil está imerso. A origem portuguesa, japonesa, alemã, italiana e tantas outras de imigrantes que trouxeram toda a sua criatividade e é muito difícil pensar uma Escola da Ponte, mas é possível partir do exemplo da Escola da Ponte, para, aplicando com toda a reserva e cuidado à América do Sul, fazermos aquilo que há muito tempo este lugar reclama, que é uma escola, uma educação, na medida dos povos pré-colombianos, juntando cultura e miscigenação.

Agência Brasil: Sua experiência na Escola da Ponte já atravessa diferentes gerações de crianças. Como tem acompanhado o impacto da tecnologia nas gerações atuais? Quais consequências vê e como lidar com elas?

José Pacheco: Quando, há 50 anos, perguntava aos alunos o que queriam ser, diziam que queriam ser jogadores de futebol, aeromoças etc. Quando hoje eu pergunto, primeiro eles respondem perguntando: eu posso dizer? Porque já destruíram a curiosidade e os proibiram de fazer perguntas. Eu digo que sim. E eles dizem que querem ser influencers, youtubers etc. E o que eu quero dizer com isso? As tecnologias de informação e comunicação são incontornáveis, mas a escola precisa ser reinventada. Não adotar robôs e uma inteligência artificial que, dos Estados Unidos, transmite conteúdo para o cérebro. Do modo como as novas tecnologias estão sendo introduzidas em algumas escolas, temo que se converta em mais alguma panaceia. Que sejam acriticamente consumidas, sem resquícios de uma cooperação necessária e dependentes de vínculos afetivos precários que são estabelecidos com identidades virtuais. Internet não é uma ferramenta, é uma sociedade, e é generosa na oferta de informação, mas os professores do futuro irão manter-se ancorados em aulas obsoletas servidas em lousas digitais? Irão replicar o planejamento de aulas congeladas no YouTube ou em tablets? Ou usar o digital a serviço da humanização da escola? Essa é a pergunta central. Não sou catastrofista, vejo tudo com o copo meio cheio. Mas as escolas têm se enfeitado de novas tecnologias sem intensificar a comunicação e a pesquisa. Pelo contrário, o modo como utilizam a internet fomenta a imbecilidade, a ignorância e a solidão.

Agência Brasil: Os ataques violentos a escolas têm crescido no Brasil, muitas vezes associados a grupos de ódio nas redes. Como sua proposta pedagógica pode contribuir para o enfrentamento desse problema?

Agência Brasil: A educação antirracista, pró-equidade de gênero e inclusiva a respeito das diversidades sexuais é uma pauta progressista com cada vez mais relevância. Quais contribuições a Escola da Ponte pode dar nesse sentido?

Agência Brasil: Vemos uma certa desvalorização do ensino formal e das carreiras tradicionais nas redes sociais, que apontam para um modelo de sucesso capitalista agora mais pautado pelos influenciadores, coachs, investidores de cripto e outros grupos. Como isso impacta a educação de hoje e do futuro, na sua visão?

José Pacheco: Influenciadores, coachs, investidores etc. Tudo isso irá parar no saco de lixo da história da educação. São fenômenos de passagem. Falar da educação do futuro é falar de que?, se considerarmos que mais de 80% dos empregos atuais não existirão dentro de 10 anos. Penso que vai ser antes. Um dos quais é o professor de sala de aula. Quando fui dar aula, sabia muito da minha área, de eletrotécnica, não sabia ser professor, sabia dar aula. E não sabia que estava a desvalorizar a minha própria profissionalização. Todos esses coachs irão desaparecer assim como irá desaparecer a mercantilização da escola pública, que está em curso. As modas pedagógicas duram enquanto duram, então, não me preocupa muito a desvalorização do ensino formal, até porque não falo de ensino formal. Por que há ensino formal e informal, educação ambiental, educação para a saúde, educação infantil, educação fundamental? Educação é uma só.

Agência Brasil: Brasil, Portugal e muitos outros países viveram uma ascensão de uma extrema direita muito pautada pela desinformação e pela rejeição do outro. Há quem diga que a solução está na educação. O que acha?

José Pacheco: Há uma extrema direita em Portugal que já ocupa o terceiro lugar em votação e realmente está em crescimento. Já há xenofobia, já existe perseguição, e isso é uma consequência do modelo educacional em que vivemos. A desinformação e a rejeição do outro surgem como um dos efeitos nefastos do modelo educacional do século 18. Costumo brincar que continuamos a ter alunos do século 21, com professores do século 20 a trabalhar como no século 19. Será necessário fazer uma grande transformação, operar mudanças e, sobretudo, inovar. É preciso ligar a escola com o poder público e a universidade. É preciso ligar a escola com as famílias e a sociedade. É preciso ligar a escola com a saúde pública e o ambiente, e arte e cultura. É preciso considerar que a escola não é o prédio, e que se aprende em qualquer lugar desde que aconteça vínculo entre o objeto significativo que se busca alcançar, através da busca da informação e construção do conhecimento, e a triangulação com um mediador que pode ser esse tal de coach, tutor e sei lá como chamar. E quando perguntas o que acha, peço desculpas, mas não posso achar. Sou formado em Ciências da Educação, e alguém formado em Ciências da Educação, o que é raro, não tem o direito de achar. Tem a obrigação de afirmar e fundamentar na ciência prudente aquilo que diz. Infelizmente, como diria Jean Piaget, a educação é a única área das ciências humanas em que todo mundo se considera especialista e no direito de dar opinião.

Fonte: Agência Brasil

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