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Doação de acervo do arquiteto Paulo Mendes da Rocha para o Porto causa polêmica

Houve quem concluísse que o gesto do maior arquiteto vivo do Brasil, hoje com 91 anos, fosse motivado pela descrença de Mendes da Rocha na capacidade...

Publicado em

Por Agência Estado

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Ainda repercute nas redes sociais a decisão do arquiteto Paulo Mendes da Rocha, prêmio Pritzker (2006), de doar seu acervo à Casa de Arquitectura, um museu e centro expositivo de Matosinhos, na região metropolitana do Porto, em Portugal. Nomes e instituições da área – entre elas a FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP) – reafirmam a necessidade de o Brasil conservar uma coleção como a do criador do Mube, entre outros grandes projetos, mas o arquiteto rejeita a polêmica. Diz que o acervo que estava em seu escritório, no centro de São Paulo – quase 9 mil peças, entre maquetes, fotografias e desenhos originais -, já está em Portugal e que exerceu sua liberdade ao aceitar a proposta do diretor executivo da Casa de Arquitectura, Nuno Sampaio, para doar o material à instituição portuguesa.

Houve quem concluísse que o gesto do maior arquiteto vivo do Brasil, hoje com 91 anos, fosse motivado pela descrença de Mendes da Rocha na capacidade de conservação dos museus aqui existentes – descapitalizados e todos sofrendo com a crise econômica. Contudo, o arquiteto, premiado com o Leão de Ouro em Veneza (2016), não agiu com essa desconfiança ou com a intenção de internacionalizar sua obra (que, aliás, integra há anos os acervos do MoMA de Nova York e do Centre Pompidou de Paris). “Essa decisão foi tomada há dois anos, bem antes, portanto, da crise atual”, diz Mendes da Rocha, lembrando que o português Nuno Sampaio foi seu colaborador no projeto do Museu Nacional dos Coches, inaugurado em 2015, em Lisboa.

“Nunca procurei ninguém, foi o Sampaio que me fez a proposta de abrigar o acervo na Casa de Arquitectura e convidou Catherine Otondo para fazer o inventário da obra”, conta Mendes da Rocha. Ela é autora de uma tese e livros sobre o arquiteto capixaba, referência da arquitetura contemporânea brasileira em todo o mundo. Tanto que os franceses produzem em escala industrial a cadeira Paulistano, concebida para o clube de mesmo nome, em 1957. É uma peça premiada e clássica, tanto como a poltrona Wassily (1925) de Marcel Breuer.

Nas redes sociais, a ida do acervo de Paulo Mendes da Rocha foi vista quase como um gesto de indiferença pelo Brasil e pelas suas instituições – um tanto injusto para um homem que enfrentou a ditadura militar e luta até hoje pelo direito dos deserdados a uma moradia digna. A Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, onde Mendes da Rocha lecionou por cerca de quatro décadas, se manifestou contrária à doação de seu acervo para Portugal. “Apesar de inúmeras tratativas e propostas de recebimento do seu acervo, a decisão soberana do arquiteto foi diversa da nossa expectativa. O acervo de Paulo Mendes da Rocha teria para nós um duplo significado. Por um lado, a importância do material, nos seus próprios termos, e seu vínculo com a história desta instituição pública de ensino. Por outro integraria o maior acervo público de arquitetura, urbanismo e design.”

O arquiteto José Lira, em texto publicado nas redes sociais, questionou mesmo se a Casa de Arquitectura portuguesa seria o local adequado para a guarda de um acervo tão importante. “A despeito de seus méritos, ela não é uma instituição de ensino e pesquisa, nem muito menos pública, mas um centro privado de guarda de acervos e exposições de arquitetura. E pior, fora do Brasil. É desanimador saber disso. E num momento de erosão cultural do País.”

Não é, de fato, a primeira vez que isso acontece. Basta lembrar que a obra de Villa-Lobos passou a ser publicada na França pelo editor Max Eschig (1872-1927) – e as mesmas acusações de antinacionalismo pesaram sobre o compositor modernista, autor das Bachianas Brasileiras, que tentou carreira fora do País (compondo sem sucesso para filmes norte-americanos).

A diferença é que os tempos são outros. Se Eschig cobrava pelas partituras de Villa-Lobos, os papéis de Paulo Mendes da Rocha ficarão à disposição de pesquisadores e estudantes gratuitamente pela internet. No entanto, professores da FAU/USP defendem que o acesso ao material produzido por Rocha será dificultado pela transferência do acervo do Brasil para Portugal. O arquiteto rebate a crítica: “Os originais podem ser consultados na rede por quem quiser. Estará tudo lá para que estudantes tenham acesso ao acervo, que será exibido em futuras exposições”. A primeira delas deverá ser realizada daqui a dois anos. “Não sei se estarei vivo até lá, mas gostaria de mostrar projetos que nunca foram realizados e outras coisas curiosas.” Mendes da Rocha, como todo arquiteto, tem dezenas de projetos sonhados e jamais concretizados. Para citar dois: o aquário de Santos, que teria ligação com o mar, e a nova sede da Pinacoteca Benedito Calixto, na mesma cidade.

Ele não se mostra contrariado pelos projetos abandonados. “Certa vez, fiz um desenho de uma casa de dois andares no interior, que não foi adiante por pedido do homem que o encomendou, temeroso da reação dos vizinhos.” Ela teria uma piscina na cobertura, passível de ser mal interpretada pela população local como algo licencioso, conta, rindo. Embora não exista na vida real, sua maquete – de ferro, o que é inusual – foi escolhida pelo curador de arquitetura do MoMA para integrar a coleção do museu americano. Outra maquete produzida no mesmo material representa uma cidade portuária nas águas do Rio Tietê. Projetada em 1980, a obra não chegou a ser realizada, mas pode ser vista na maquete que está no acervo do Beaubourg, em Paris. Quanto à piscina no último andar, ela acabou tomando forma no Sesc 24 de Maio, obra de Mendes da Rocha – e, mais, com uso comunitário.

Sobre uma insinuação que circula pela internet, a de que a decisão de enviar seu acervo para fora do País tem um componente político vinculado à crise cultural provocada pela falta de investimentos na área, Mendes da Rocha diz que sua decisão não tem nada a ver com a política governamental. “Como disse, já estava conversando com o diretor da Casa de Arquitectura muito antes do corte de investimentos na cultura por parte do governo federal.” O arquiteto diz que não precisa provar nada para ninguém. “Fui cassado pelo AI-5 e isso já diz muito sobre como vejo o País hoje.”

Concluindo, a situação em Portugal está mais confortável do ponto de vista econômico, a despeito da crise, que é mundial. Na Casa de Arquitectura, cerca de 60% do orçamento é público. O restante vem de patrocinadores, mecenas e receitas da própria Casa, como já revelou o diretor Nuno Sampaio.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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