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Literatura mostra o talento de um escritor crítico

Estivemos juntos algumas vezes, sempre em suas breves passagens pelo País. Vinha lançar um livro ou participar de um debate, que tanto podia ser sobre política...

Publicado em

Por Agência Estado

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Há mais ou menos um ano, Gilles Lapouge, colaborador habitual do caderno Aliás nestes três últimos anos, escreveu um texto em que analisava o mercado editorial francês. A França tinha motivos para comemorar o crescimento vertiginoso da publicação de livros na última década? Contrariando as expectativas, ele respondeu que não: “Tais números são enganosos porque, na verdade, editores e livrarias sofrem, mostram sinais de fadiga”. Poucos autores, em sua opinião, mereciam ser assim chamados. “O crescimento exponencial da oferta não elevou a qualidade; o desperdício é gigantesco; a maioria desses escritos é medíocre”. Naturalmente, Lapouge era uma exceção. Jornalista experiente, ele manteve o bom hábito da leitura e, portanto, escrevia como poucos. Foi um privilégio ser seu interlocutor e editor.

Estivemos juntos algumas vezes, sempre em suas breves passagens pelo País. Vinha lançar um livro ou participar de um debate, que tanto podia ser sobre política como sobre o amor, sobre a dificuldade de amar. Esse era um tema caro a Lapouge. Gilles até escreveu um livro sobre ele. Mais especificamente, sobre a dificuldade de amar o nosso país. Em Dicionário dos Apaixonados pelo Brasil, ele toca em assuntos desagradáveis como racismo e violência para descrever sua relação de quase 70 anos com o País.

Um de seus livros mais recentes trata exatamente dessa busca pelo paraíso que logo se revela um inferno. Aos 95 anos, Gilles lançou uma obra sobre a utopia, sobre os paraísos reais ou inventados pelos homens: Atlas des Paradis Perdus.

Nele, Lapouge recupera os paraísos perdidos de lorde Osgood e os Campos Elísios imaginados por Henri Racine de Monville, também no século 18, um parque temático que sucumbiu à Revolução Francesa. Nesse paraíso imaginário, pagodes chineses dividiam o espaço com igrejas góticas.

Mas o que parecia um paraíso real para ele em 1951 virou um inferno bem maquiado, uma Cítera à beira do colapso ambiental, o que o afastou cada vez mais do Brasil. Melhor pegar outro livro de Lapouge, Noites Tranquilas em Belém, romance publicado em 2015 e que será brevemente lançado pela Pontes Editores. Nele, a cultura francesa se funde à brasileira. Um narrador em busca da própria identidade dá ao leitor um perfil curioso de Gilles, um homem premiado pela Academia Francesa que, de fato, amou nosso território que tão pouco tem a oferecer além da ignorância e da brutalidade.

Ainda sobre os tristes trópicos Lapouge escreveu Equinociais: Viagens Pelo Brasil dos Confins, em que narra uma viagem feita em 1975. Nela nascia uma visão crítica a respeito do falso paraíso que agora trocou pelo real. Como disse o próprio Lapouge em seu Atlas, os homens não perdem a mania de buscar o paraíso perdido, mesmo que saibam que o Éden cerrou suas portas. Portanto, reconstruir esse paraíso por meio da literatura é não só um sinal de perseverança como de amor à civilização. Gilles tinha os dois. E esperança.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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