Em Sergipe, a velha e a nova capital vão à Justiça disputar população, IPTU e praias
O julgamento é definitivo. Cerca de 30 mil pessoas que hoje são aracajuanas vão se tornar cidadãs de São Cristóvão, que já foi a capital do...
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Por Agência Estado
Uma decisão judicial obriga o município de Aracaju, capital de Sergipe, a devolver uma área de 20,78 quilômetros quadrados à vizinha São Cristóvão. No território, equivalente a 2 mil campos de futebol, estão escolas, unidades de saúde e duas praias bastante procuradas pelos turistas. A área representa 11,4% de toda a capital sergipana e teria sido anexada de forma irregular a Aracaju.
O julgamento é definitivo. Cerca de 30 mil pessoas que hoje são aracajuanas vão se tornar cidadãs de São Cristóvão, que já foi a capital do Estado. Moradores da região se mobilizam para resistir.
A decisão, da 3.ª Vara Federal de Sergipe foi tomada após uma disputa judicial que chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). “Com o trânsito em julgado da sentença a nosso favor, nós entramos com ação para que ela fosse cumprida e também obtivemos ganho de causa. Cabe agora ao IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) redefinir os limites e refazer a contagem populacional das duas cidades”, disse o prefeito de São Cristóvão, Marcos Santana (MDB).
O que está em jogo
Com a nova configuração a ser implementada, parte dos bairros da zona de expansão de Aracaju, como Santa Maria, Mosqueiro, Robalo, Areia Branca e Matapuã passam a integrar o município de São Cristóvão. O Mosqueiro é um dos principais pontos turísticos da capital do Estado, com praias de águas quentes, coqueirais e condomínios de luxo. A população da cidade, de 95 mil habitantes, vai chegar a 125 mil. Já Aracaju cairia de 603 mil para 573 mil moradores.
A transferência envolve 6,7 mil imóveis, 14 escolas com mais de 6 mil alunos, três postos de saúde e 31 quilômetros de ruas pavimentadas, além de redes de água e energia, praças e áreas verdes. A receita de Imposto Predial e Territorial Urbano nessa região é estimada em R$ 5,2 milhões anuais, que passariam de uma cidade para a outra.
De acordo com o prefeito, São Cristóvão está resgatando uma gleba de terra que é historicamente ligada à cidade e tem alto potencial turístico. “Estamos fazendo o resgate de um território que nos foi tomado de forma absurda. Na época, os deputados estaduais aproveitaram que estava sendo revista a Constituição do Estado para repassar vários núcleos de São Cristóvão para Aracaju, com o argumento de que não tínhamos condições de fazer a manutenção dessa área. Não houve plebiscito, consulta, nada”, disse.
A alteração nos limites municipais foi feita por uma emenda à Constituição estadual aprovada em 1999. A medida transferiu para a capital os bairros de Robalo, Náufragos, Mosqueiro, Água Branca e São José, que eram as últimas áreas litorâneas de São Cristóvão.
“Ficamos sem acesso ao mar e, em muitos desses bairros, a população original tem vínculos afetivos com nossa cidade”, disse o prefeito.
Adiamento
Já a prefeitura de Aracaju tenta adiar o cumprimento da decisão com um recurso na forma de agravo, interposto no Tribunal Regional Federal da 5.ª Região. “A cidade de Aracaju, como único provedor de serviços para essa população, seguirá alertando o Judiciário sobre os riscos de medidas extremas e rupturas não planejadas”, afirmou o município, por meio da procuradoria jurídica de Aracaju.
A prefeitura ainda alega que a delimitação original entre as duas cidades, feita em 1954, não levou em consideração técnicas modernas de georreferenciamento e que mudanças sem consulta popular violariam o “sentimento de pertencimento” dos moradores.
O município defende a realização de um plebiscito para ouvir a população afetada. Para o prefeito de São Cristóvão, entretanto, não existe previsão legal para a realização da consulta popular.
Ação popular
Do lado de Aracaju, associações de moradores se movimentam contra a possível mudança. “Estamos defendendo nosso direito de permanecer na zona de expansão. Nossa identidade é aqui, como aracajuanos. Queremos que a população interessada seja ouvida em um plebiscito”, disse o professor Rafael Siqueira, do Movimento Somos Aracaju, criado para se opor à mudança.
A Associação Comunitária de Desenvolvimento do Povoado de Mosqueiro também se mobiliza para continuar em Aracaju. “Desde que nasci, na década de 1970, moro aqui e sou aracajuana. Estudei na escola do bairro e cresci como cidadã de Aracaju. Isso não pode mudar”, disse a diretora Maria da Luz Reis.
Contexto
A cidade de São Cristóvão é conhecida pelo seu patrimônio histórico, como a Praça São Francisco, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e declarada pela Unesco como patrimônio da humanidade. Em junho de 1820, quando Dom João VI decretou a emancipação de Sergipe da Bahia, São Cristóvão tornou-se a capital do novo Estado.
Em março de 1855, atendendo a pleito dos senhores de engenho que precisavam de um porto para escoar a produção de açúcar, a capital foi transferida para Aracaju. Historiadores afirmam que, em 1954, quando a cidade enfrentava crise de energia elétrica, o prefeito de São Cristóvão cedeu a área litorânea à capital em troca da instalação de um gerador elétrico.
O governo de Sergipe informou que, embora o Estado não seja parte no processo de disputa pelo território, recebeu e está analisando a documentação que foi encaminhada pela Justiça Federal. A análise é feita em conjunto com a Secretaria Especial de Planejamento, Orçamento e Inovação (Seplan), vinculada à Secretaria de Estado da Casa Civil, com o objetivo de definir a melhor forma de atender às determinações judiciais e apoiar o trabalho do IBGE. O Instituto foi procurado pela reportagem, mas sem sucesso.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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