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Imagem referente a Gangstalking: médicos alertam para risco de crença em perseguição
© Joédson Alves/Agência Brasil

Gangstalking: médicos alertam para risco de crença em perseguição

“Estou em prantos. Sinto tanta dor, inclusive em minhas partes íntimas, como se alguém as estivesse queimando”, escreveu a soteropolitana R.S.B*, ainda em 2012. À época,......

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Por CGN

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Imagem referente a Gangstalking: médicos alertam para risco de crença em perseguição
© Joédson Alves/Agência Brasil

 

“Estou em prantos. Sinto tanta dor, inclusive em minhas partes íntimas, como se alguém as estivesse queimando”, escreveu a soteropolitana R.S.B*, ainda em 2012. À época, a mulher, que dizia ser alvo da ação de pessoas que a perseguiam e tentavam prejudicá-la, encontrou na internet um espaço onde compartilhar sua dor.

“Sou mais uma vítima das chamadas armas psicotrônicas, cuja ação ninguém é capaz de enxergar. E que suspeito que estão sendo usadas contra mim por traficantes do bairro onde moro, que agem impunemente. Não consigo escrever mais porque, além de gravarem tudo que faço e penso, eles me causam um sofrimento que só quem passa conhece. Se não morrer, em breve volto a escrever, mas venho outra vez pedir ajuda”, acrescentou R.S.B.

Não demorou para que outros internautas se identificassem com a “aflição”, o “desgosto” e a “raiva” que a soteropolitana manifestava em seus desabafos. Até porque, relatos semelhantes já não eram incomuns em fóruns e comunidades online, compartilhados por pessoas de diferentes nacionalidades e que manifestavam uma crença perturbadora: a de serem vítimas do chamado gangstalking.

O gangstalking é um fenômeno complexo que, a exemplo de várias expressões de transtorno delirante, expõe o quão frágil pode ser a capacidade do ser humano de diferenciar a fantasia do real (no sentido de juízos socialmente compartilhados). Resumidamente, trata-se de uma crença infundada em que um indivíduo ou grupo é alvo da perseguição sistemática de pessoas ou entidades dispostas a desacreditar, prejudicar e levar suas “vítimas” à morte.

Diferencia-se do crime de perseguição (ou stalking), tipificado no Código Penal brasileiro desde 2021, porque, enquanto este possui elementos objetivos e provas concretas para denúncia, a crença na perseguição por grupos está frequentemente associada a delírios e alucinações, muitas vezes envolvendo teorias da conspiração.

Muitas pessoas que afirmam serem seguidas, vigiadas e assediadas física e psicologicamente se identificam como indivíduos-alvo (ou target individuals – TIs). Compartilham a tese de que seus “perseguidores” (ou stalkers) possuem não só “armas psicotrônicas”, capazes de afetar o sistema nervoso, como também modernos dispositivos eletrônicos capazes de “ler” pensamentos e controlar o comportamento de suas “vítimas”. Há, também, os que se veem como pessoas ungidas, escolhidas para desempenhar uma missão especial. E que, consequentemente, creem que seus supostos perseguidores não passam de marionetes a serviço de forças malignas que pretendem corrompê-los e desviá-los do caminho do bem.

“O indivíduo acredita com toda a convicção que é vítima de um complô e que está sendo perseguido por pessoas conhecidas ou desconhecidas […] não lhe restando alternativa a não ser integrar [tal crença] em sua vida por meio do delírio”, disse o professor Paulo Dalgalarrondo.

Com o advento da internet, comportamentos que antes demoravam a se propagar passaram a se espalhar rapidamente pelo mundo, sem filtros. E, em 2015, R.S.B. já não estava só. A soteropolitana viajou mais de 2,5 mil quilômetros para participar de um evento sobre crimes tecnológicos e direitos humanos, realizado no plenário da Câmara Municipal de Barra Velha, no litoral norte de Santa Catarina. O evento atraiu poucas pessoas, mas foi transmitido pela internet e gravado. Um trecho de R.S.B. palestrando segue sendo compartilhado por defensores do reconhecimento do gangstalking no Brasil.

“Lembro vagamente desse evento. Acho que uma das organizadoras morava na cidade na época. Ela me pareceu muito atuante, muito inteirada. Eu nunca tinha ouvido falar sobre o assunto e, ainda que não me lembre mais dos detalhes, me recordo de ter pensado que algumas coisas me pareceram bem fora da realidade, fora de contexto, mas cheguei a ficar exatamente surpresa. Afinal, há tantas coisas que não acreditávamos serem possíveis que já aconteceram”, comentou a ex-vereadora Marciléia Reitz, que, à época, acompanhou parte do evento presencialmente.

Determinada a dar visibilidade a sua causa, na sequência, R.S.B viajou a Brasília. Saindo da Rodoviária do Plano Piloto, a caminho do Congresso Nacional, fez uma transmissão narrando suas dificuldades. “Vou dizer uma coisa: vou morrer de cabeça erguida. Porque no dia em que fui para o Fórum [de Barra Velha], que desgraça. Tá louco. É tanto gemido, tanto toque na minha genitália, tanta ameaça e palavrão”, narrou a soteropolitana, falando alto, para espanto dos pedestres que caminhavam ao seu redor.

“Olha como as pessoas estão espantadas. Olha! E eu não posso fazer nada”, continuou a soteropolitana, em prantos, gritando em plena rua. Ao fim de quase cinco minutos de um discurso desconexo, o vídeo é interrompido no momento em que R.S.B. passa por um viaduto e começa a reproduzir as vozes de comando que diz estar ouvindo. “Se joga! Se jogue do viaduto! Vaca.”

Associações

Enquanto isso, o termo gangstalking e a crença no emprego das chamadas armas psicotrônicas passaram a circular com mais força na internet. Nos Estados Unidos – onde não demoraram a surgir empresas vendendo de dispositivos contra o assédio eletrônico a camisetas alusivas ao tema – e no Brasil, foram criadas entidades nacionais com o objetivo manifesto de defender os interesses dos indivíduos-alvo. Ainda que, anonimamente, vários deles defendam, em fóruns e grupos, que, por segurança, as “vítimas” do gangstalking não devam se expor nem confiar em ninguém – incluindo parentes e amigos que tentem convencê-los de que precisam de ajuda.

No Brasil, há ao menos duas entidades nacionais com CNPJ ativo junto à Receita Federal. Uma foi fundada em setembro de 2022, para proteger e amparar as vítimas de tortura psicoeletrônica, e tem sede em Nova Friburgo (RJ). A outra, dedicada à mesma causa, funciona no Recife.

“São duas associações independentes, com o mesmo propósito. A que criamos [no Recife], em 2017, foi fundada por indivíduos-alvo para combater o uso de dispositivos e armas que usam ondas eletromagnéticas com a finalidade de invadir e controlar a mente de cidadãos comuns, torturando-os, sabotando-os e, em muitos casos, eliminando-os”, disse à Agência Brasil R.R.F.*, um dos fundadores da entidade pernambucana.

Sem fornecer detalhes, R.R.F contou que, devido a problemas “sérios” de saúde, não participa mais do dia a dia da organização, acompanhando apenas as atividades públicas, como as reuniões remotas. “A entidade, hoje, tem novos membros e está mais voltada à comunicação nas redes, principalmente no YouTube e Facebook. Além disso, mantém intercâmbio com associações de outros países. Fazemos ações junto aos órgãos públicos para tentar corrigir as brechas legais”, acrescentou R.R.F., referindo-se ao exemplo da cidade de Richmond, na Califórnia (EUA), onde, em 2015, o Conselho Municipal aprovou uma resolução declarando o município como uma zona segura, livre da ação de armas espaciais.

O exemplo de Richmond ilustra a complexidade de se abordar os delírios persecutórios ou as teorias da conspiração em geral, fundadas em informações imprecisas, mal interpretadas ou completamente falsas. A possibilidade de grandes potências desenvolverem armas espaciais é uma hipótese plausível, conforme ficou patente no início deste ano, quando o governo dos EUA alertou o Congresso norte-americano e países aliados na Europa, sem fornecer provas, que a Rússia estaria desenvolvendo uma arma que poderia ser usada contra satélites ocidentais, provocando o caos nas telecomunicações e infraestrutura. Acontece que a medida do Conselho Municipal de Richmond, anterior a isso, além de pouco efetiva, gerou, segundo a imprensa local, dezenas de ligações de cidadãos que pediam à polícia que investigasse o suposto uso de chips, insetos e outros dispositivos para controle da mente e do corpo.

“É um consenso de que há coisas sobre as quais não devemos falar, informações que não podemos passar adiante”, acrescentou R.R.F, esquivando-se de algumas perguntas na entrevista à reportagem da Agência Brasil, para, em seguida, se estender ao responder sobre a possibilidade de o gangstalking ser apenas um delírio persecutório e um indício de que os que nele acreditam precisam do apoio de um profissional em saúde mental.

“Se não houver, peço que a iniciativa popular das vítimas paulistanas que estão sendo assassinadas com o uso dessas armas seja apresentada a todos os deputados estaduais [para] ver se algum deles a coloca em seu nome”. No pedido, W.A.D.P cita, como fonte de inspiração, iniciativas semelhantes levadas a cabo pela associação sediada em Nova Friburgo.

Morador de Porto Alegre, W.A.D.P. usou a internet para pedir o mesmo tipo de informação e fazer a mesma proposta a várias outras casas legislativas do país. À Câmara Municipal de Itaporanga, pequena cidade do interior paulista, a cerca de mil quilômetros da capital gaúcha, enviou, no início deste ano, um texto confuso, misturando português, inglês e espanhol, sugerindo a aprovação de um decreto municipal para proteger os moradores da cidade dos “abusos tecnológicos perpetrados pelos poderes federal, estadual ou estrangeiros”. Já ao Senado, propôs, em 2022, a aprovação de uma lei definindo e punindo o crime de abuso tecnológico por meios psicotrônicos contra parlamentares e seus eleitores – ele próprio chegou a ser impedido de votar após ter sido decretado civilmente incapaz em 2014, direito que o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul só lhe restituiu em 2020.

O pedido feito à Alesp foi respondido no mesmo dia por um servidor público que recomendou que W.A.D.P. enviasse sua sugestão a um deputado de sua escolha para que, “em caso de afinidade, o parlamentar apresente um projeto de lei sobre o tema”. Já em Itaporanga, outro servidor municipal que teve que realizar a pesquisa solicitada pelo internauta se limitou a informar não haver nenhuma iniciativa sobre o tema em discussão e deu o assunto por encerrado.

Ocorre que, conforme a Agência Brasil constatou com uma rápida pesquisa na internet, W.A.D.P. não é o único a agir desta forma. Há dezenas, talvez centenas de pedidos semelhantes encaminhados por outras pessoas para prefeituras, como as de João Pessoa e Patrocínio (MG), e assembleias legislativas estaduais, como a de Alagoas.

“É sempre importante estarmos atentos a esses dois tipos de sintomas. Na maioria das vezes, eles tendem a passar sem maiores consequências. Mesmo assim, são um fator de alerta, podendo indicar outros transtornos”, observou Loch.

“A pessoa pode, por exemplo, estar deprimida, ansiosa ou desenvolvendo outros transtornos. Daí a importância de identificarmos esses sintomas e dedicarmos alguma atenção ao tema. Até porque, basta ver os relatos das pessoas para verificar que elas juram não estar doentes, embora algumas afirmem ouvir vozes há sete, oito anos, ou que há quem pode ler seus pensamentos. Quando uma pessoa dessas vai buscar ajuda? Parentes, amigos e profissionais da saúde têm que estar atentos a isso”, concluiu o professor.

É importante procurar ajuda de um profissional capacitado para lidar com situações difíceis a fim de manter a saúde mental. O Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece um serviço de escuta acolhedora e apoio emocional, disponível no telefone 188. Há também o Mapa da Saúde Mental, ferramenta que permite a busca de serviços públicos e gratuitos por localidade.

*Para preservar a identidade de algumas das pessoas citadas nesta matéria, a Agência Brasil optou por não informar seus nomes. Pelo mesmo motivo, os nomes das associações mencionadas também foram omitidos, e citações extraídas de publicações pessoais na internet foram ligeiramente modificadas, preservando o teor das mensagens.

Fonte: Agência Brasil

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