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Imagem referente a Chico Buarque integra patrimônio da sensibilidade brasileira
© Ricardo Stuckert/PR

Chico Buarque integra patrimônio da sensibilidade brasileira

Cinquenta e oito anos de carreira, 537 canções, 1.302 gravações, 50 discos (próprios ou com parceiros, em estúdio ou ao vivo), quatro peças de teatro, uma......

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Por CGN

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Imagem referente a Chico Buarque integra patrimônio da sensibilidade brasileira
© Ricardo Stuckert/PR

Cinquenta e oito anos de carreira, 537 canções, 1.302 gravações, 50 discos (próprios ou com parceiros, em estúdio ou ao vivo), quatro peças de teatro, uma novela, um livro de contos e seis romances – o próximo, Bambino a Roma, será publicado em agosto. Esse é o legado do compositor, dramaturgo e escritor Chico Buarque de Hollanda, que nesta quarta-feira (19) comemora 80 anos junto com a família, em Paris.

Adélia Bezerra de Meneses, escritora, professora e crítica literária – Arquivo pessoal

A vasta obra de Chico é objeto de mais de uma dezena de livros, alguns lançados nesta celebração octogenária. Entre os autores, se destaca Adélia Bezerra de Meneses, professora de teoria literária na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e na Universidade de São Paulo (USP). Ela escreveu três livros sobre o artista, o último Chico, Buarque ou a Poesia Resistente – Ensaios sobre as Letras de Canções Recentes (editora Ateliê), está em finalização gráfica.

Adélia foi militante estudantil na década de 1960, trabalhou com alfabetização de adultos com o método Paulo Freire em uma vila operária em Osasco, assistiu com “igual paixão” a reuniões da Ação Popular (AP) e aos festivais da MPB no Teatro Paramount (TV Record). Fez mestrado e doutorado sob a orientação de Antonio Candido, professor no Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da USP. A tese foi publicada em livro Desenho Mágico – Poesia e Política em Chico Buarque, que ganhou o Prêmio Jabuti de 1982, na categoria Ensaio.

A seguir, os principais trechos da entrevista que Adélia Bezerra de Meneses concedeu por escrito à Agência Brasil.

Agência Brasil: A senhora tem dois livros publicados [mais um no prelo] sobre as composições de Chico Buarque. Por que a canção popular merece estudos de literatura?
Adélia Bezerra de Meneses: Eu tenho na manga um argumento de autoridade. Guardo comigo, como uma preciosidade, que compõe a caixa de tesouros que já doei à minha neta, um cartãozinho do [Carlos] Drummond [de Andrade], em que, agradecendo o envio do meu primeiro livro sobre o Chico Buarque, chama a obra dele de “poesia”.

A canção popular é um extraordinário veículo para a poesia. Atualmente, pouca gente lê um livro de poemas, mas muitos ouvem canção, decoram as letras, cantam junto. Mas isso – essa junção de melodia com letra – não é um fenômeno da modernidade: desde a mais remota antiguidade, a poesia vinha amalgamada com a música: lírica é a poesia acompanhada ao som da lira.

Agência Brasil: Em seu primeiro livro, Desenho Mágico, a senhora se propôs “estabelecer um paralelo” entre a história do Brasil e a obra dele. Que história do Brasil o Chico Buarque compôs?
Adélia Bezerra de Meneses: A maneira de eu abordar a obra de Chico Buarque como um todo foi apontar que a sua produção assumiu as modalidades da “poesia resistência” desdobrada em lirismo nostálgico/lirismo amoroso; utopia; crítica. Isso não significa em absoluto uma redução a canções de temática social explícita.

Como se efetiva essa resistência na obra de Chico Buarque? No lirismo nostálgico, a recusa do presente opressor se dá por uma volta ao passado, seja o passado individual de cada um, que é a própria infância, como em João e Maria e Maninha; seja o passado coletivo, da sociedade pré-industrial, em que as relações humanas não eram degradadas pela estandardização e massificação, como em Realejo, ou A Banda.

Na vertente crítica, há a recusa do presente adverso, ferindo-o através da crítica social, seja de forma direta, como em Construção, Angélica e O Meu Guri; seja através das ricas modulações de que se reveste a ironia, como em Mulheres de Atenas, Bye Bye, Brasil, Bancarrota Blues, etc. Quanto às canções de protesto, como Apesar de Você, Cálice e Quando o Carnaval Chegar, originam-se no vértice da crítica e da utopia. Assim, Apesar de Você, que se tornou uma espécie de hino oficial contra a ditadura, recusa de um presente de opressão e espera de um “amanhã” que há de ser um outro dia.

Uma observação importante é que, em seu prosseguimento, a utopia rareia cada vez mais na produção de Chico Buarque. De fato, difícil utopia essa dos anos que atravessamos, contra o pano de fundo do capitalismo multinacional e da pasteurização dos projetos revolucionários. Que princípio esperança resta para ser afirmado num mundo que verga ao fim da história” e que o novo perdeu sua força mobilizadora?

Agência Brasil: A senhora escreveu sobre “figuras do feminino na canção de Chico Buarque”. Que mulheres há nessas canções?
Adélia Bezerra de Meneses: É uma pergunta complicada de ser respondida, como todas assim genéricas, levando-se em conta que Chico privilegia a mulher como protagonista, modulando o feminino de diversas maneiras. Uma observação inicial é que, sendo quase sempre no contexto de uma intensa relação afetiva que se flagra o fundamental do feminino, desliza-se inescapavelmente para o terreno dos afetos, obrigando-nos a descortinar o poderoso filão da lírica amorosa do autor. Em outras palavras, falar sobre a lírica amorosa de Chico Buarque quase que se confunde com falar sobre a mulher. Pegando alguns exemplos ao acaso: Pedaço de Mim ou Olhos nos Olhos: aí se destaca a mulher num momento de separação afetiva – por sinal, revelando reações femininas polares: percepção de incompletude e mutilação, no primeiro caso; e, no segundo, atitude desafiante frente ao antigo amor que, após uma separação desarraigada, vai encontrá-la “refeita”, “até remoçando”. Ou tomemos Mar e Lua, que mostra uma relação homoerótica no registro feminino, de infinita delicadeza e sensibilidade: “Todo mundo conta / que uma andava tonta / grávida de lua / E outra andava nua / ávida de mar.”

Agência Brasil: Outros compositores anteriores e contemporâneos do Chico Buarque escreveram canções com o eu lírico feminino. Por que ele é o mais lembrado por compor assim?
Adélia Bezerra de Meneses: Quero crer que esse “mais lembrado” seja o índice de um consenso do público, portanto uma consagração popular, não? Sem se fazer nenhuma estatística, tem-se a impressão de que tanto quantitativa quanto qualitativamente, Chico, dentre os compositores mais conhecidos, sobressai compondo no feminino, com uma competência única.

Agência Brasil: Chico Buarque escreveu quatro peças de teatro, uma novela, um livro de contos e seis romances. Essa literatura tem a mesma importância e qualidades estéticas das canções?
Adélia Bezerra de Meneses: Chico Buarque é um desses casos de artista com verdadeiro comprometimento com a palavra nas suas várias modalidades, com a mesma eficácia estética: é o romancista laureado, de penetração internacional, é o dramaturgo de peças que marcaram o teatro brasileiro, é o contista rascante que nos leva para os anos de chumbo. No entanto, para a imensa maioria dos nossos conterrâneos, Chico é o compositor/poeta, autor de canções que passaram a integrar o patrimônio da sensibilidade brasileira. Não por acaso, ganhou o Prêmio Camões, a mais alta honraria atribuída a autores da língua portuguesa, pelo conjunto da obra. Mas uma coisa interessantíssima é que em seu discurso em Portugal, por ocasião do recebimento do prêmio, no Palácio de Queluz, e confessa, com surpreendente simplicidade: “Mas por mais que eu leia e fale de literatura, por mais que eu publique romances e contos, por mais que eu receba prêmios literários, faço gosto em ser reconhecido no Brasil como compositor popular…”

Temos aqui, como se vê, um caso em que a avaliação do público e a autoavaliação do artista convergem. E, um pouco antes, no mesmo discurso, ele tinha citado Vinicius de Moraes, amigo de sua família, para quem a palavra cantada talvez fosse “simplesmente um jeito mais sensual de falar a nossa língua.” Talvez esteja aqui a explicação para a penetração da canção popular, que vai mais fundo que o texto escrito ficcional: a canção, palavra cantada, nos pega sensorialmente.

Fonte: Agência Brasil

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