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Imagem referente a Buscas por navio escravista do século 19 avançam em Angra dos Reis
© Tomaz Silva/Agência Brasil

Buscas por navio escravista do século 19 avançam em Angra dos Reis

Marilda de Souza Francisco, 60 anos de idade, é líder do Quilombo Santa Rita do Bracuí, em Angra dos Reis, no sul fluminense. Quando era pequena,......

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Por CGN

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Imagem referente a Buscas por navio escravista do século 19 avançam em Angra dos Reis
© Tomaz Silva/Agência Brasil

Marilda de Souza Francisco, 60 anos de idade, é líder do Quilombo Santa Rita do Bracuí, em Angra dos Reis, no sul fluminense. Quando era pequena, sempre ouvia do pai a história de um navio e de um traficante de escravos com detalhes curiosos.

“A gente não sabia o nome do navio. Só sabia que tinha vindo lá da África trazendo os negros e depois afundado. E que o capitão tinha fugido vestido de mulher. Quando o meu pai contava essa história, até falava ‘que vergonha, um homem vestido de mulher’. Era essa a história. A gente até achava que era uma ficção, que alguém tinha inventado. Mas era verdade mesmo”, conta Marilda.

Relatos como esse fazem parte da memória oral do quilombo, transmitida por escravizados e descendentes por gerações, desde a década de 1850 até os dias de hoje. A ajuda das comunidades quilombolas atuais foi fundamental para o avanço das pesquisas que buscam vestígios do brigue Camargo, um navio roubado em 1851 na Califórnia, Estados Unidos, pelo capitão Nathaniel Gordon.

Ele viajou até Moçambique, trouxe cerca de 500 africanos escravizados para o porto clandestino do Bracuí e afundou a embarcação em 1852, para evitar a prisão. O tráfico, naquela época, já estava proibido no Brasil. O disfarce com roupas femininas, como o da história, foi uma das estratégias usadas para sair escondido do país. Deu certo por um tempo. Em 1862, ele foi o único norte-americano enforcado nos Estados Unidos por participar do tráfico negreiro.

As buscas arqueológicas pelo navio começaram de forma sistemática em 2022, com a participação de mergulhadores pesquisadores, e avançaram com a descoberta recente de materiais que podem ser da embarcação.

Caso os pesquisadores encontrem os vestígios do navio, a ideia é que eles continuem no local, no fundo do mar, para serem estudados e preservados. Um dos objetivos do projeto é estimular o envolvimento das comunidades locais em iniciativas sociais, culturais e turísticas.

O projeto também conta com apoio e investimentos de instituições de ensino e pesquisa norte-americanas. É o caso da George Washington University e do Smithsonian Institution National Museum of African American History and Culture. Uma colaboração que permite olhar de forma crítica para um passado comum, de escravidão e de exploração nas Américas.

“É muito importante que esse trabalho seja parte da comunidade local. Estamos trabalhando juntos, mas com protagonismo deles, dos quilombolas, para que digam como essa história deve ser contada. É uma pesquisa que ainda vai durar anos. Mas entendemos que vai ter um grande impacto não só aqui no Brasil, mas no mundo todo. Essa história ajuda a conectar pessoas de diferentes lugares, que viveram problemas graves relacionados à escravidão”, disse Paul Gardullo, professor da George Washington University.

Os detalhes da pesquisa foram apresentados nesta sexta-feira (7), na sede do Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro. Para a diretora da instituição, historiadora Ana Flávia Magalhães Pinto, eventos como esse ajudam a sociedade a lidar com problemas do passado e atuar para combater o legado deles até os dias atuais.

“Isso é algo a ser revisitado em 2023, para que a gente compreenda melhor não só como a escravidão se estruturou e tinha muitos defensores, mas como ela foi confrontada. A partir disso, promover reflexões sobre abolicionismo, liberdade e cidadania. A atividade de hoje marcou esses esforços de promover reparação histórica. Devemos investir nisso para que outros crimes contra a humanidade não voltem a acontecer. Afinal, ainda enfrentamos os ecos da escravidão no tempo presente”, disse Ana Flávia.

O Brasil tentava se equilibrar entre a pressão dos ingleses e os interesses dos grandes proprietários de terras e escravos nacionais. Em 1826, em meio ao processo de consolidação da independência brasileira, D. Pedro assina um tratado com a Inglaterra e se compromete a tornar ilegal o comércio de africanos e a tratá-lo como pirataria em 1830. Os protestos internos e o peso da atividade para a economia nacional ajudam a tornar o acordo sem efeito.

Em 1831, o governo regencial do Império (D. Pedro havia abdicado do trono), promulga a Lei Feijó, que confirma a proibição e declara liberdade de todos os escravos trazidos ilegalmente para o país. Igualmente ignorada pelos proprietários, traficantes e pelo próprio Estado, que não fiscalizava. Um exemplo é que, só em 1837, entraram pelo menos 45 mil escravos nas províncias do Rio de Janeiro e de São Paulo. A medida mais efetiva aconteceu em 1850, com a Lei Eusébio de Queirós. O Império brasileiro, nesse período, passou a ser mais efetivo no controle e combate ao tráfico. Mas, como o caso do brigue Camargo comprova, algumas tentativas de desembarque clandestino foram bem-sucedidas.

“Esses acontecimentos falam de toda uma história abafada de omissão e cumplicidade do governo imperial, que não punia quem cometesse o crime do tráfico de africanos previsto desde 1831. Mais de um milhão de africanos entraram ilegalmente no Brasil”, disse a historiadora Martha Abreu, também envolvida no projeto.

“Já no final dos anos 1820, a fazenda de Santa Rita do Bracuí foi montada para receber os escravizados, que não podiam mais chegar pelo Cais do Valongo, que havia sido fechado. Na década de 1840, muitos Camargos chegaram pelo Bracuí. E muitos africanos em péssimas condições foram mandados para as plantações de café”.

A proibição do tráfico não significou o fim da própria escravidão. Essa só terminaria oficialmente em 13 de maio de 1888, quando o Brasil foi o último do continente americano ao abolir a exploração e a tortura de africanos e descendentes.

Fonte: Agência Brasil

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