CGN
Acesse aqui o Discover e busque as mais lidas por mês!
Imagem referente a Defensoria Pública aponta superlotação e condições extremamente precárias na Cadeia Pública de Cascavel

Defensoria Pública aponta superlotação e condições extremamente precárias na Cadeia Pública de Cascavel

O relatório é composto por informações fornecidas pela gestão da unidade, observação direta da equipe e entrevista com as pessoas presas. ...

Publicado em

Por Fábio Wronski

Publicidade
Imagem referente a Defensoria Pública aponta superlotação e condições extremamente precárias na Cadeia Pública de Cascavel

No dia 17 de maio deste ano, a Defensoria Pública do Estado do Paraná esteve na Cadeia Pública de Cascavel, para realização de inspeção das condições das carceragens, em cumprimento ao disposto da Lei Complementar Federal n. 80/94.

Compareceu à inspeção a Defensora Pública Andreza Lima de Menezes e a servidora Anna Ashley Delima. É objetivo comum das inspeções identificar os principais problemas nas unidades prisionais, buscando-se contribuir tanto para o fim das violações de direitos a que normalmente estão sujeitas as pessoas privadas de liberdade, quanto à melhoria das condições de trabalho dos seus servidores.

O relatório é composto por informações fornecidas pela gestão da unidade, observação direta da equipe e entrevista com as pessoas presas.

A Cadeia Pública de Cascavel é local de custódia provisória e definitiva de pessoas privadas de liberdade do sexo masculino. A unidade conta com uma equipe de 3 (três) policiais penais e 16 (dezesseis) monitores de ressocialização, além do atendimento por 1 (uma) enfermeira, 2 (duas) técnicas de enfermagem e 1 (um) médico.

Segundo informações do gestor, a unidade possui capacidade para 56 (cinquenta e seis) pessoas e no dia 2 de junho de 2023 contava com população total de 173 (cento e setenta e três) pessoas, perfazendo taxa de lotação de aproximadamente 309% (trezentos e nove por cento). Entretanto, segundo as informações disponibilizadas no Portal da Transparência do DEPPEN, a unidade possui no total 16 (dezesseis) vagas.

A unidade conta com 1 (uma) galeria de convívio com um total de 9 (nove) cubículos, não foi informada a capacidade de cada cubículo. Há ainda 1 (um) cubículo de seguro, o qual também não foi informada a capacidade.

Em relação ao perfil da população prisional, há 3 (três) pessoas com regime semiaberto suspenso, 1 (uma) pessoa idosa e 1 (uma) pessoa com deficiência física. Não há registro de etnia nos prontuários, não sendo possível coletar dados sobre a presença de indígena na unidade. Já registro nos prontuários de nacionalidade e identidade de gênero e/ou orientação sexual. Não há galeria ou cubículo separado para população LGBTQIA+.

Quanto ao gerenciamento da população prisional, foi informado que não há separação entre pessoas primárias e reincidentes, entre provisórios e sentenciados ou entre regime semiaberto e fechado. Há separação quanto a natureza do delito. Foi identificada na unidade a presença da facção criminosa Primeiro Comado da Capital (PCC). Segundo a gestão, há separação de pessoas com covid e tuberculose do convívio com os demais.

O tempo de banho de sol diário é de 2 (duas) horas para o setor de convívio e não há banho de sol para os demais setores. Há escolta para audiências e atendimento de saúde externo, as quais são realizadas pelo próprio gestor e não há informações sobre a permissão de saída em caso de velório de familiar de pessoa privada de liberdade.

Não foram prestadas informações sobre a regularização das instalações da unidade, vistoria pela Defesa Civil ou Vigilância Sanitária e nem sobre o projeto técnico do estabelecimento. Segundo o gestor, a unidade conta com 56 (cinquenta e seis) camas, insuficientes para o atendimento da demanda. Ainda, haveria colchões em número suficiente, dispensário de medicamentos, ambulatório médico, espaço para prática de esportes, pátio de sol, espaço para realização de visitas presenciais e íntimas, sanitário e água aquecida nas celas.

O kit higiene é entregue semanalmente e é composto por sabonete, pasta de dentes e escova de dentes. Não foram prestadas informações sobre o registro das reposições nem sobre a limpeza do local. A unidade não fornece papel higiênico ou aparelho de barbear.

A alimentação é fornecida pela empresa Bom Degusty e passa por orientação de nutricionista da empresa. São entregues 3 (três) refeições por pessoa diariamente, às 7h, às 11h30 e às 17h30. O controle de qualidade é feito conforme previsão contratual e a qualidade da alimentação foi avaliada como regular pela gestão.

O atendimento de saúde é prestado pela equipe de saúde da unidade prisional, sendo informado que todos que solicitam atendimento são atendidos. Em caso de emergências e consultas especializadas, há escolta para atendimento externo. Não é realizado nenhum teste rápido ou exame para identificação de doenças infectocontagiosas.

A assistência jurídica é prestada no local pela Defensoria Pública do Paraná, Ordem dos Advogados do Brasil e por núcleo de práticas jurídicas de faculdades de direitos. Há parlatório presencial e virtual e sala para atendimento pela Defensoria Pública.

A unidade dispõe de circuito de câmeras de segurança, mas as imagens não ficam gravadas. Há incursão de grupos táticos no local e apoio diário por esses para escoltas e pátio de sol. Não há conselho disciplinar para apuração de faltas disciplinares. Também não houve rebelião ou suicídio no local nos últimos 3 (três) anos.

Por fim, as visitas ocorrem semanalmente, das 8h às 12h e das 13h às 17h. O local não dispõe de bodyscan e não foram prestadas informações sobre a forma de revista de visitantes, sendo informado que há policial penal feminina para revista. Há visita virtual, com duração de até 30 (trinta) minutos e não é feito procedimento administrativo para suspensão de credenciais de visita.

Observações feitas durante a inspeção e entrevistas às pessoas privadas de liberdade.

ESTRUTURA FÍSICA

A unidade prisional possui 1 (uma) galeria de com capacidade para 16 (dezesseis) pessoas2 e na data da inspeção custodiava aproximadamente 120 (cento e vinte) pessoas privadas de liberdade, com taxa de superlotação de mais de 700% (setecentos por cento). Diante da lotação da unidade é impossível adentrar nas celas ou mesmo na galeria de convívio, onde pessoas se amontoam no chão, em pé e em redes improvisadas.

O ambiente é escuro, com poucos pontos de luz artificial, e não há entrada de luz externa. Mesmo durante o dia, no interior da galeria, é possível enxergar as pessoas.

Não há qualquer ventilação, natural ou artificial, o espaço é abafado e o ar insalubre, além do forte odor de urina e fezes no local.

Há apenas um sanitário na galeria do convívio, e quase dentro do vaso sanitário fica a torneira de água, de onde é retirada a água para consumo humano. Há banho quente mas um dos chuveiros não pode ser utilizado pois está dando choques.

O local é altamente insalubre, com manchas de umidade e mofo nas paredes, além de enorme acúmulo de sujeira no chão e nas paredes. Segundo os entrevistados, quando chove há alagamento do local sendo necessário retirar a água com um balde e descartá-la no vaso sanitário.

Há uma cela destinada à custódia provisória de presas femininas, que não possui cama, sanitário ou chuveiro, havendo apenas um colchão no chão, um buraco e um cano de PVC que fornece água. O local, mesmo estando vazio, tinha urina no chão, o que indica que não é feita a limpeza.

Ao lado da cela feminina, há um cubículo para seguro, que não estava sendo utilizado devido ao recente homicídio ocorrido no local. O local também estava em péssimas condições de higiene e materiais.

Há uma cela destinada aos presos civis em que estavam custodiadas no dia da inspeção 8 (oito) pessoas e não há camas ou ventilação.

Em local separado, há dois cubículos destinados aos internos implantados em canteiro externo de trabalho. O local, embora em condições sanitárias melhores do que a carceragem comum, possui espaço insuficiente para abrigar os aproximadamente 60 (sessenta) implantados, inexistindo cama para todos.

A unidade divide seu espaço físico com a delegacia de polícia civil local, havendo um grande número de veículos apreendidos localizados logo ao lado da parede externa da carceragem. O acúmulo desses materiais no local expostos às condições do tempo é altamente suscetível a atrair pragas e vetores de doenças, criando risco à saúde de toda população no entorno, ainda. Foi relatado pelos entrevistados que é comum a presença de ratos e baratas no local.

Várias pessoas relataram que os fios de eletricidade expostos no interior da galeria de convívio soltam faíscas e “estouram”, especialmente à noite, e também dão choques e, devido a proximidade desses fios dos cobertores e das redes penduradas nas grades, há temor de que ocorra um incêndio no local. O local não dispõe de equipamentos para combate e prevenção a incêndio e a estrutura elétrica precária, somada às condições de risco do local (grande número de pessoas e acúmulo de materiais inflamáveis), formam o prelúdio de uma catástrofe anunciada.

CAMAS E COLCHÕES

Não há camas e nem colchões suficientes para todos, e mesmo que houvesse colchões para todos, não haveria onde coloca-los. A estrutura das camas são de madeira e ferro e já estão apodrecidas, com risco de desabamento. Devido a lotação, mesmo com colchões cobrindo todo o chão, não é possível que todas as pessoas consigam se deitar, havendo redes improvisadas nas grades e pessoas que dormem sentadas ou em revezamento.

Os colchões existentes, até pelas péssimas condições sanitárias do local, estão em estado deplorável e muitos são inservíveis ao fim a que se destinam. A espuma dos colchões é fina e de má qualidade, muitos estão sem capa e imundos.

VESTUÁRIO E COBERTAS

Os cobertores existentes são do tipo “Parati popular” e em péssimo estado de conservação e não há número suficiente para todos – 1 (um) cobertor para cada 3 (três) pessoas. A unidade fornece apenas 1
(uma) peça de camiseta e de calça, e bermuda quando há este item disponível.

Não há reposição dos itens e nem retirada para lavagem, sendo que esta é feita pelos internos dentro da galeria e no mesmo local são estendidas as roupas. Há informações de que está sendo construída lavanderia no local. Devido a ausência de circulação de ar e iluminação natural no interior da galeria, as roupas ficam sempre úmidas e se deterioram rapidamente. A roupa fornecida não oferece conforto térmico, principalmente à noite quando as temperaturas são mais baixas.

ALIMENTAÇÃO

A alimentação foi avaliada pelos entrevistados como ruim e insuficiente. Houve relatos de alimentação entregue azeda e geralmente o alimento é insípido. Não há entrega de frutas e muitos relataram já ter encontrado pedra e cabelo nas marmitas.

Os familiares podem enviar alguns tipos de alimento por sacola, porém apenas após o período de 30 (trinta) dias de triagem. Segundo os entrevistados, é comum faltarem coisas nas sacolas que os familiares relatam ter enviado, mas que nunca chegam ao destinatário final. Na data da inspeção, verificou-se que o recipiente utilizado para armazenar o café é sujo e avariado e as hotboxes utilizadas no transporte das marmitas também aparentam não serem limpas com a frequência necessária

Ainda, não são fornecidos canecas e talheres em número suficiente, sendo necessário dividir – 6 utensílios para cada 30 pessoas – e muitos improvisam talheres e canecas com material reciclável.

HIGIENE

No kit higiene são entregues apenas sabonete e pasta dental, não sendo fornecidos papel higiênico, aparelho de barbear nem escova de dentes. A entrega é feita semanalmente, mas houve relatos de demora de até um mês. Não são entregues materiais de limpeza. A quantidade de itens do kit higiene foi avaliada unanimemente como insuficiente e a qualidade foi avaliada como ruim, com relatos de entrega de itens com data de validade expirada. Ademais, deve-se ressaltar a completa ausência de higiene do local, o que atesta a veracidade das informações de que não são entregues materiais ou produtos de limpeza. Houve demandas de cortadores de unha também, para manutenção mínima da higiene pessoal.

BANHO DE SOL

O banho de sol ocorre diariamente por apenas 10 (dez) minutos para as pessoas do convívio e ocorre aproximadamente às 8h. Por ser muito cedo e fazer muito frio no pátio, muitos não usufruem do banho de sol. Os presos civis não têm acesso a banho de sol, sendo que um deles informou que já estava no local há 59 (cinquenta e nove) dias. Devido ao espaço existente e a grande quantidade de pessoas, não é possível se movimentar muito no pátio. Ainda, pela falta de espaço, verificou-se que algumas pessoas implantadas em canteiro de trabalho utilizam do pátio de sol para dormir.

SAÚDE

O atendimento à saúde acontece diariamente por enfermeira. São 4 (quatro) pessoas atendidas diariamente. A triagem é feita pelo gestor e os pedidos de atendimento são encaminhados por “pipa”. O atendimento médico ocorre semanalmente foi avaliado como ruim, havendo relatos de descaso por parte dos profissionais, falta de atenção e questionamento sobre os sintomas e discriminação pela condição de pessoa privadas de liberdade. Segundo um dos entrevistados, em atendimento obtido com médico psiquiatra, houve o questionamento do médico sobre o tratamento que estava recebendo, ao que este respondeu que o tipo de tratamento de saúde dispensado às pessoas presas era diferente das pessoas livres.

Não há qualquer separação na unidade de pessoas com doenças infectocontagiosas ou realização de testes rápidos para identificação dessas doenças. A equipe constatou que a maioria dos entrevistados apresentava tosse, sendo que questionados sobre o tratamento de saúde informaram que a unidade não dispõe de xarope para tosse e o único medicamento disponível é o paracetamol – indicado para dores e febre. Outros medicamentos devem ser fornecidos por familiares.

Muitas pessoas relataram graves problemas de saúde, havendo inclusive uma pessoa cadeirante no local, que necessita da ajuda de outros internos para fazer suas necessidades fisiológicas uma vez que o local não dispõe de banheiro acessível. Não há alimentação especial para pessoas diabéticas nem com outras restrições. As péssimas condições sanitárias do local são vetores de proliferação e contaminação por doenças e evidentemente representam severo risco à saúde das pessoas custodiadas.

ASSISTÊNCIA SOCIAL

A unidade não dispõe de assistente social nem atendimento por serviço social. Alguns entrevistados expressaram preocupação por seus familiares, pois não tiveram direito a ligação e não puderam informar sobre a prisão.

ASSISTÊNCIA JURÍDICA:

Há atendimento jurídico na unidade pela Defensoria Pública semanalmente, prestado por assessoria de execução penal, porém não há sala para atendimento pela Defensoria Pública, sendo necessária a divisão do espaço do parlatório pelo servidor com outros advogados, o que reduz o número de atendimentos. Também foi relatado pelos internos que as intimações e citações não lhes são entregues diretamente pelos oficiais de justiça, não havendo maiores explicações sobre o conteúdo. Na data da inspeção, os oficiais de justiça adentraram a carceragem para cumprir as intimações e citações, mas os entrevistados relataram que isso não ocorre geralmente e que acreditavam que isso só estava ocorrendo devido à presença da equipe de inspeção.

EDUCAÇÃO, TRABALHO E LAZER

Não há qualquer atividade educativa ou de lazer no local, e nem espaço para sua realização. Há televisão
nas celas e assistência religiosa prestada por igrejas de denominação evangélica locais. A exceção das aproximadamente 60 (sessenta) pessoas implantadas em canteiro de trabalho externo, os demais internos não têm acesso a nenhuma atividade de trabalho ou de remição. A unidade possui convênio com mais de 10 (dez) instituições e empresas, inclusive com a Prefeitura de Cascavel, que possui
grande demanda de mão de obra.

VISITA

A visita presencial ocorre semanalmente no local para as pessoas que já passaram pelo período de triagem – 30 (trinta) dias – das 9h às 11h. Há visita íntima e não há visita virtual. A revista dos visitantes é vexatória, sendo necessário tirar a roupa e fazer agachamento, houve relato de que inclusive as crianças que visitam passam por esse procedimento.

DISCIPLINA E VIOLÊNCIA POLICIAL

Não há conselho disciplinar para apurar faltas disciplinares. Não houve relatos de violência policial ou abusos por parte de servidores e/ou funcionários, porém há reclamações sobre a forma de tratamento de um dos funcionários com as pessoas presas. Em relação aos óbitos na unidade, os entrevistados relataram que recentemente houve um suicídio por asfixia mecânica e um homicídio no local. A unidade dispõe de circuito de câmeras de segurança.

CONCLUSÃO

As péssimas condições e superlotação da Cadeia Pública de Cascavel fazem parte de uma realidade de longa data, conhecida e ignorada pelo Poder Público e Poder Judiciário local. Em 2016 iniciou-se o processo de fechamento e demolição da Cadeia Pública, conforme amplamente divulgado por diversos canais midiáticos3 e pelo Governo do Estado do Paraná, com a promessa de que parte do local seria utilizado apenas para depósito da Polícia Civil e não haveria mais custódia de pessoas no local, Menos de um ano após o anúncio da demolição do local, a carceragem já estava novamente superlotada.

Em 2019 houve o manejo pelo Ministério Público de Pedido de Providências perante a Vara de Corregedoria dos Presídios de Cascavel em relação à situação da Cadeia Pública de Cascavel. Foi realizada vistoria no local pelo Paraná Edificações, pertencente à Secretaria do Desenvolvimento Urbano e Obras Públicas do Paraná, que concluiu que “além da superlotação prejudicar a estrutura física do SECAT, o ambiente possui ventilação inadequada, tornando o ambiente insalubre para os custodiados
e para os servidores que ali adentram diariamente, e também há o risco de fugas, devido às condições mínimas de segurança que a estrutura oferece.”

A Vigilância Sanitária realizou visita ao local e emitiu laudo técnico atestando as precárias condições higiênico-sanitárias do local e a sua prejudicialidade à saúde das pessoas privadas de liberdade e trabalhadores.

Em que pese a ampla comprovação das condições ilegais da custódia dos internos da Cadeia Pública de Cascavel, o pedido da Defensoria Pública de interdição parcial da unidade e concessão de saída antecipada e prisão domiciliar aos internos pertencentes a grupo de risco de comorbidades foi negado e o Pedido de Providências arquivado e 23 de fevereiro de 2023.

Considerando o histórico de negligência por parte do Poder Público, serão necessárias novas medidas para interditar o local e fazer cessar as graves violações de direitos humanos encontradas.

Google News CGN Newsletter

Whatsapp CGN 3015-0366 - Canal direto com nossa redação

Envie sua solicitação que uma equipe nossa irá atender você.


Participe do nosso grupo no Whatsapp

ou

Participe do nosso canal no Telegram

Veja Mais