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Imagem referente a Pesquisa aborda relação entre fé e crime
© Fernando Frazão/Agência Brasil

Pesquisa aborda relação entre fé e crime

O episódio é descrito no livro Traficantes evangélicos. Quem são e a quem servem os novos bandidos de Deus, da pastora e cientista da religião Viviane......

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Por CGN

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© Fernando Frazão/Agência Brasil

É madrugada. Enquanto a maioria da favela dorme, um traficante está alerta. Ele é o responsável pela segurança da comunidade naquele dia. O silêncio nos becos é repentinamente interrompido pela aparição de um inimigo de outra facção. Os dois trocam tiros e o que foi surpreendido decide recorrer aos céus. “Eu orei na hora e disse ‘Senhor, se eu sou teu filho, cega esse homem, para que ele não me tire a vida’. E agora, tô eu aqui, pra glória de Deus, em nome de Jesus”.

O episódio é descrito no livro Traficantes evangélicos. Quem são e a quem servem os novos bandidos de Deus, da pastora e cientista da religião Viviane Costa. Ela ouviu a história do próprio protagonista, enquanto dava aulas de teologia em igrejas localizadas no Complexo de Israel. A região, cujo nome se refere ao povo escolhido no Antigo Testamento bíblico, reúne cinco favelas na zona norte do Rio de Janeiro: Parada de Lucas, Vigário Geral, Cidade Alta, Cinco Bocas e Pica-Pau.

Elas são administradas por Álvaro Malaquias Santa Rosa, conhecido como Peixão, que além de traficante, também se identifica como pastor evangélico. Há, pelo menos, oito anos, ele tem expandido o número de territórios sob seu domínio.

Nesse cenário, surgem alguns questionamentos, alguém envolvido em atividades ilícitas – como tráfico de drogas, torturas e assassinatos – pode ser um religioso fervoroso ao mesmo tempo? Crime e fé são compatíveis? O que determina se um cristão é legítimo ou não?

Agência Brasil: Como surgiu a ideia da pesquisa e como foi o processo para conseguir reunir as informações que você precisava? Quais perguntas você queria responder com o estudo?

Agência Brasil: Além de cientista da religião, você também é pastora evangélica. Como essa outra identidade influencia a pesquisa?

Agência Brasil: Muitos líderes e fiéis evangélicos se incomodam ao ver a religião deles associada com os traficantes. O entendimento é de que as atividades criminosas são incompatíveis com as práticas cristãs. E você usa a expressão no título do livro. Traficantes podem ser considerados evangélicos legítimos?

Agência Brasil: No seu entendimento, então, não se trata de uma estratégia de manipulação das narrativas cristãs para tentar suavizar a violência e dar alguma legitimidade às atividades criminosas?

Viviane Costa: Nessa relativização do que é ser evangélico hoje e nas múltiplas identidades que cabem nessa categoria, é possível ser evangélico com menos rupturas do que há alguns anos. Entendendo a partir dessa leitura, ele pode se dizer evangélico. Na perspectiva da Ciência da Religião, é importante olhar para o fenômeno religioso e perceber como o sujeito entende e narra a experiência dele. No exemplo do Álvaro Malaquias, o Peixão, ele se vê como alguém que tem pecados, erros e acertos. Algumas relativizações são necessárias, apesar de outras não serem possíveis nem para ele. Mas aí entra a possibilidade do perdão, do ajuste, da tentativa de ser uma pessoa melhor e de estar caminhando em busca da perfeição. E nesse olhar, eu entendo que, de fato, ele está expressando uma experiência religiosa que é atravessada pela experiência dele no crime. O que não é diferente de um traficante, por exemplo, que procura uma casa de umbanda ou de candomblé para fechar o corpo. Nem de um traficante devoto de São Jorge, que espera proteção do santo guerreiro e justiceiro, que ele o ajuda na conquista de determinado território.

Agência Brasil: E como é a leitura que esses traficantes fazem da bíblia? Chama a atenção que livros e trechos do Antigo Testamento sejam mais usados. Por que essa escolha?

Agência Brasil: Como é, dentro das favelas, a relação dos pastores com os traficantes evangélicos? Existe medo, resistência ou cumplicidade dos líderes das igrejas?

Viviane Costa: Tem um termo que a Cristina Vital usa no livro “Oração de Traficante”, que é “blindagem moral”, para se referir aos que são considerados os verdadeiros “homens de Deus”. Os reconhecidos assim são os que dão bom testemunho, não se envolvem e não aceitam o dinheiro do tráfico, não escondem armas, não participam da dinâmica do crime. Esses são muito respeitados. Inclusive, muitos deles são procurados quando esses traficantes se veem em uma situação de risco, por conta de uma ameaça de facção rival ou por conta de uma operação da polícia. São esses “homens de Deus” que eles procuram para orar pela vida deles e pedir proteção para não morrer em um confronto. Há também outras igrejas, que não representam a maioria, que se envolvem em alguma medida com a dinâmica do crime. Seja recebendo dinheiro para a realização de cultos na praça ou para convidar algum cantor famoso para as festas que são feitas na comunidade. Mas o pastor e a igreja respeitados nesses espaços são os que não participam, nem se “contaminam” com o mundo do crime. São esses que os traficantes procuram quando precisam de uma oração e de uma cobertura espiritual para os confrontos e as guerras na favela. Para lidar com o perigo que vem de todos os lados: do Estado, da facção rival ou de alguém dentro do próprio movimento, como os X-9, traidores que colocam em risco a segurança do movimento.

Agência Brasil: Você tem planos de continuar pesquisando o tema? O que ainda falta investigar sobre as conexões entre religião e crime nas favelas do Rio de Janeiro?

Viviane Costa: Tenho interesse em continuar olhando para o Complexo de Israel e para a relação entre tráfico e religião nas diferentes dinâmicas. Observar traficantes que se identificam também com outras religiões – catolicismo, umbanda, candomblé –, e se enxergam ou não no mundo a partir delas. E, principalmente, o papel da religiosidade no Complexo de Israel, onde a experiência religiosa influencia e estrutura uma construção ética, para além da estética, e serve de base para a violência contra religiões de matriz africana. Lugar onde uma revelação bíblica é fator decisivo nos planos de avanço desse território, como no plano recente de avanço em direção à Igreja da Penha. Tenho interesse em acompanhar quais serão os próximos passos da relação entre a experiência religiosa do Peixão e a vida no Complexo, entender como o Álvaro Malaquias conta a própria experiência e como ela acontece no cotidiano. E quero continuar buscando compreender a relação dele com Deus, com as pessoas da comunidade, com as favelas dominadas por grupos rivais e os desdobramentos disso para dentro e fora do Complexo do Israel.

Fonte: Agência Brasil

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