Chilenos sob ‘apartheid’ educacional

Ignacio Pinto, de 24 anos, tentara minutos antes chegar ao palácio presidencial, a duas quadras dali. Durante confronto com “carabineros” que isolam com barreiras a sede...

Publicado em

Por Agência Estado

Quando o blindado que lança jatos d’água e bombas de gás deu sinal de que abandonaria o vaivém pela Avenida Bernardo O’Higgins, onde fica o Palácio La Moneda, para entrar na estreita na Rua San Francisco, no centro de Santiago, dezenas de jovens dispararam em sentido contrário pela viela. O piloto do veículo militar recuou, prevendo que ficaria exposto a arremesso de pedras e utensílios domésticos das janelas dos prédios. Mas o estampido já tinha provocado quedas e deixado alguns pisoteados. Um manifestante chamava atenção por correr de olhos fechados.

Ignacio Pinto, de 24 anos, tentara minutos antes chegar ao palácio presidencial, a duas quadras dali. Durante confronto com “carabineros” que isolam com barreiras a sede de governo, foi atingido no rosto por gás pimenta. “Não sabia que substância havia no spray e lavei o rosto com água, o que piorou o efeito. Por isso não consigo ver”, disse ao jornal O Estado de S. Paulo, sem enxergar o interlocutor. Esta região da cidade tornou-se um foco permanente de confronto, o que levou o hotel da esquina, o cinco estrelas Plaza San Francisco, a fechar. A uma quadra, uma unidade do Mercure foi incendiada.

“Não sou partidário da violência, mas entendo a revolta se uma geração ou duas foi exposta um cenário em que não pode entrar na universidade”, afirmou o jovem, que deixou uma cidade pequena no extremo norte do país para viver na capital com a mãe e um irmão.

A disparidade de qualidade entre ensino privado e público no Chile torna raro um estudante de escola pública chegar à universidade. Ignacio estudou em um escola particular que custava 250 mil pesos (R$ 1.345) por mês. Paga hoje 8 milhões de pesos (R$ 43 mil) por ano por seu curso na Universidade Andrés Bello, no qual acaba de entrar e do qual deve sair em seis anos. A universidade cancelou as aulas, que só devem ser retomadas em três semanas.

Ignacio representa a face mais vista nas marchas, a dos jovens e adolescentes. Uma das exigências centrais das mobilizações – que começaram com estudantes secundaristas contrários ao aumento no metrô e logo se tornaram difusas – é que o sistema de ensino não tenha tanta disparidade entre público e privado.

Quem não pode pagar o ensino universitário e recorre a créditos estudantis tem o empréstimo diretamente descontado do salário nos primeiros anos de carreira. Há relatos de que esses “primeiros anos” eventualmente se convertem em três décadas e são pagos como um financiamento qualquer.

Segundo Mario Waissbluth, diretor do centro de estudos Educación 2020, o sistema educacional chileno, embora apresente resultados superiores aos da média latino-americana – tem o melhor índice no último exame Pisa, de 2015 – apresenta como problema central a exclusão. Ele credita o sucesso dos estudantes chilenos a políticas educativas que praticamente não variaram entre governos de esquerda e direita. Ele reconhece que o país conseguiu reduzir brutalmente a pobreza – de 43%, em 1990, passou para 10% -, mas lamenta o que considera um “apartheid” educacional.

“Temos três tipos de escolas no Chile. As públicas, que recebem 35% das matrículas. As privadas subvencionadas, que recebem 58% e abrigam a classe média. E as particulares pagas, que são caríssimas. Destas saem os futuros gestores, que casam com futuras gestoras e têm gestorezinhos.”

Nesta última categoria, a dos mais favorecidos, está Ignacio. “Tenho sorte de minha avó poder pagar a mensalidade. Não precisaria estar aqui, mas minha família já foi pobre. Tento estudar em casa enquanto a universidade está fechada, mas não consigo me concentrar diante do que está ocorrendo.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Google News

Whatsapp CGN 3015-0366 - Canal direto com nossa redação

Envie sua solicitação que uma equipe nossa irá atender você.


Participe do nosso grupo no Whatsapp

ou

Participe do nosso canal no Telegram

Veja Mais
Sair da versão mobile