‘Papel da Biblioteca Nacional é sair ilesa da guerra cultural’

Nogueira recebeu o jornal O Estado de S. Paulo em seu gabinete, no histórico prédio localizado no centro do Rio, na tarde desta segunda-feira, 9, em...

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Por Agência Estado

A Biblioteca Nacional é a maior guardiã da história brasileira. Desde sexta-feira, dia 6, ela está sob a administração de Rafael Nogueira, santista de 36 anos formado em Filosofia e Direito, professor de estudos clássicos, olavista e alinhado às ideias conservadoras dos novos gestores públicos da cultura brasileira. Foi escolhido pelo secretário especial de Cultura Roberto Alvim por seu diálogo com os jovens e pelo “amor à pátria”.

Nogueira recebeu o jornal O Estado de S. Paulo em seu gabinete, no histórico prédio localizado no centro do Rio, na tarde desta segunda-feira, 9, em seu quarto dia à frente da oitava maior biblioteca nacional do mundo. Nogueira defende o conservadorismo, mas nega que será pautado por questões ideológicas. Ele relativiza a ideia de guerra cultural proposta por Alvim e acusa gestões anteriores, em âmbito geral, de transformar a cultura em uma arma.

Em uma postagem, o sr. disse que nunca foi um sonho ter um cargo público e tinha outros planos. Por que foi o escolhido? Como recebeu a notícia? Qual imagina que possa ser sua contribuição e o que o habilita para o cargo?

Minha ideia era seguir com as minhas aulas e criar um site para divulgá-las, para elas chegarem aos rincões do Brasil. Mas, pouco depois da nomeação do Roberto Alvim, ele disse que acompanhava meus vídeos e gostava da minha forma de transmitir meu amor à pátria. E que o presidente Jair Bolsonaro tinha encomendado a ele promover a cultura, uma cultura que inspire a juventude. Meu primeiro emprego foi como assessor da presidência da Academia Santista de Letras, já ensino sobre livros desde 2006, formei o primeiro grupo oficial de leitura da Universidade Católica de Santos. Temos de preservar o acervo e estabelecer um contato didático, colaborar contra o analfabetismo, pela acessibilidade, pela democratização de conhecimento. Estimular o amor pelo estudo e pela pátria.

E como recebeu o primeiro protesto de servidores e a notícia que deputados da Frente Parlamentar Mista do Livro e Leitura pediram a anulação da nomeação?

Primeiro, com incômodo. Não fui preparado para essa rejeição, era um simples professor. Mas sou capaz de compreender, tenho empatia, e o incômodo foi superado pela compreensão. E quem faz luta partidária vai continuar fazendo. O pedido da frente parlamentar não me parece ter fundamento. Mas que seja discutido nas devidas instâncias.

E a questão da ausência do mestrado?

As alternativas dispostas no decreto são alternativas e não artigos de exigência. Tenho anos de experiência com livros, cultura, educação.

O sr. reclamou da forma como foi apresentado: monarquista, olavista e que associava o analfabetismo a artistas como Caetano Veloso.

A primeira notícia que apareceu me trazia falando do Caetano (Veloso) e as pessoas me definiram como alguém que fala mal de personalidades da cultura popular. Aquilo era um tuíte de mais de dez anos, quando tinha dezenas de seguidores e notei que livros didáticos mencionavam mais a música popular do que os grandes livros da literatura. Foi mais uma brincadeira do que uma visão sobre o analfabetismo. Não sou um monstro retardado mental. Faltou checagem, era só me perguntar. Quanto a ser apresentado como monarquista ou olavista, falta contexto. Cria-se uma caricatura. Porque as pessoas entendem o professor Olavo não como o professor e filósofo que nos abre portas para uma reflexão livre, pública, mas como o autor de posts mais polêmicos, que fala palavrão. Fiquei encaixado nessa má visão dada ao professor Olavo. Ao mesmo tempo, sou apaixonado pela história de Portugal, do Brasil colonial e imperial. E enxergo no segundo reinado e na constituição de 1824 experiências políticas e jurídicas interessantes. Porque não tivemos uma República de 1889 até hoje, tivemos várias, e essa república já está dando sinais de confusão. No mínimo a gente tem muito a aprender com o século 19. Não é proibido discutir a monarquia como alternativa. Claro que acho a experiência social ligada à escravidão abominável. Então, quando se fala em olavismo, as pessoas interpretam como algo agressivo. E, no monarquista, veem alguém autoritário, que quer ter um rei e pessoas privilegiadas submetendo a população.

A história do Brasil está guardada aqui. Como será o seu esforço para que nada se perca – por acidente, negligência ou ideologia?

Cheguei aqui e a primeira coisa que perguntei foi sobre as licitações das obras elétricas. Já temos do Fundo Nacional de Cultura a verba para as reformas das instalações elétricas e a licitação de combate a incêndios em andamento. A gestão anterior foi bem nisso. Também disse aos segurança que ninguém está autorizado a sair daqui com sacolas, com algo suspeito, porque esse acervo tem de ser protegido.

Quais são as suas propostas e prioridades?

Penso em eventos de estímulo às leituras, debates sobre livros, quero trazer minha vocação docente para a Biblioteca Nacional. Há uma missão dupla, preservar e abrir para pesquisadores. Mas diante dos altos índices de analfabetismo e da minha percepção de que há muitas pessoas querendo questionar e aprender, queremos ensinar também a ler, a ler em alto nível.

O secretário Roberto Alvim fala em guerra cultural. Qual é o papel da BN nessa guerra?

O papel da Biblioteca Nacional é sair ilesa dessa guerra. Eu cheguei agora e percebi que essa nau está sendo conduzida para a preservação da memória e da identidade brasileiras. Mas não sejamos ingênuos, há quem queira tomar a cultura para que seus partidos se deem bem. Há muitos anos é o espectro da esquerda, ainda que não tenha identificado isso aqui, que busca atrapalhar o desenvolvimento da cultura, que é levada para o sucesso partidário. O partidarismo atrapalha o trabalho intelectual e estético. Quando ele fala em guerra, ele quer impedir que a cultura seja transformada em arma da política. Ele não me pediu para transformar todo mundo em olavista ou monarquista.

O prêmio Camões é feito em parceria com a BN. O presidente Bolsonaro não quis assinar o diploma de Chico Buarque, o mais recente premiado. Isso pode sugerir que autores críticos a este governo podem não ter chance nas próximas edições?

Peço desculpas, mas só ouvi falar desse caso específico. Meu critério não é de autores que sejam meus amigos ou não populares. Minha visão é que as premiações têm suas regras e critérios e elas devem ser cumpridas.

Mas pode mexer nos prêmios da BN. Há jurados, mas a direção dá a palavra final.

Se houver um autor que tenha falado mal de mim, mas seu livro for bom, vou assinar o prêmio e ele vai ganhar o prêmio.

Quem é o melhor autor brasileiro?

O que mais li foi Machado de Assis, gosto mais dos contos do que dos romances.

Na Ancine, retiraram das paredes os cartazes dos filmes brasileiros. Qual o risco de isso acontecer na BN – com acervo e também com projetos, como as bolsas de pesquisa e de tradução.

Não retirei nem a faixa de protesto contra mim, por que tiraria algo daqui?

Tem alguma orientação sobre o registro de livros e o depósito legal quanto a livros por seu teor político ou por tratarem de questões polêmicas, como a de gênero. Terão espaço na biblioteca?

Evidentemente, claro.

Com os novos diretores indicados por Alvim assumindo as instituições de Cultura do governo, pode-se dizer houve uma guinada conservadora. O que isso quer dizer na prática?

O conservador tem a vocação à preservação. E queremos preservar arquivo, memória, identidade. Esses termos precisam ser bem explicados. Conservador tem sido citado como aquele que tem visão de privilégios, autoritária, mas é aquele que quer que o Brasil, em vez de se transformar em refém de modas internacionais e inclusive de organizações internacionais, possa encontrar seu caminho.

Livros são perigosos?

Sabe o que faço com livros escritos por pessoas de quem discordo? Leio. A liberdade de pensamento é sustentada pela liberdade de edição e de publicação e por muitos anos os livros que não eram de esquerda eram difíceis de publicar. Havia a visão de que eram perigosos. Sou um entusiasta dos livros. Acho que vocês estavam prevendo outra pessoa.

Qual é o maior inimigo da BN?

É o ódio ao conhecimento, porque gera negligência e descaso. E também pessoas mal-intencionadas que não compreendem a importância do acervo e querem lucrar com ele. E as pessoas que não entendem a necessidade de se preservar o acervo, do amor à cultura e do amor à pátria.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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