Gardiner e a magia do barroco vocal

Ainda estudante, Gardiner se insurgia contra o anêmico “Bach sem humor” de Karl Richter. E dedicou sua vida a demonstrar – como o fez miraculosamente sábado,...

Publicado em

Por Agência Estado

Desde a curta Jehova, quam multi sunt hostes mei, de Purcell, peça de abertura do concerto de John Eliot Gardiner sábado, 9, na Sala São Paulo, soou cristalino o credo artístico deste que é um dos maiores músicos do nosso tempo: “Injetar paixão e expressividade na interpretação da música barroca vocal”. As vozes incrivelmente homogêneas dos 19 integrantes do Coro Monteverdi pareciam integrar-se numa só e riquíssima voz. Resultado de ensaios diários e da escolha meticulosa dos coralistas, disse-me entusiasmado no intervalo Marco Antonio da Silva Ramos, titular de regência coral no Departamento de Música da ECA-USP.

Ainda estudante, Gardiner se insurgia contra o anêmico “Bach sem humor” de Karl Richter. E dedicou sua vida a demonstrar – como o fez miraculosamente sábado, na Sala São Paulo – “a alegria e o espírito desta música tão impregnada de ritmos dançantes”, mesmo sacra. O Coro Monteverdi dá atenção especial às palavras, evidenciando a retórica e o drama – pode-se dizer que ele assume uma interpretação romântica, mas ao mesmo tempo atenta ao texto musical e às práticas vocais dos séculos 16 a 18. Em seu belo livro sobre Bach, diz que o compositor não precisou fazer ópera. Já o fazia em suas cantatas, motetos e paixões.

Aos 76 anos, está em plena forma. Sua regência é precisa. Não se trata de sinalizar as entradas de obras com até 10 partes diferentes, como no fabuloso Stabat Mater de Domenico Scarlatti. Cada frase tem começo, meio e fim, ou seja, respira organicamente – e Gardiner conduz tudo isso, estabelecendo uma alquimia delicada de sustentação entre as vozes, característica claríssima e incrivelmente presente na Messa a quatro voce da cappella (aqui Gardiner opta por só um instrumento acompanhando as vozes, a delicada viola da gamba).

Não só Bach não precisou compor ópera. Giovanni Carissimi também. Seu oratório mais famoso, Jephte, é praticamente uma ópera, tamanha a dramaticidade da trama, retirada do Velho Testamento: Jehpte, juiz de Israel, promete sacrificar a primeira pessoa que saia pela porta de sua casa, caso vença os amonitas. É sua filha que o faz, instalando-se o drama. Três solistas – Jephte, tenor, coro e o narrador – alternam-se. Gardiner e seu maravilhoso Coro mesmerizaram a plateia. Uma obra-prima que se reinventou naquele momento.

Os English Baroque Soloists, grupo instrumental modular, foram fundado por Gardiner na década de 1970, período em que também criou o Coro Monteverdi. No sábado, eram cinco músicos impecáveis, com ligeiro destaque para a teorba visual e sonoramente empolgante de Thomas Dunford. De novo, na mesma semana, sou gostosamente obrigado a me repetir: um dos melhores, senão o melhor concerto do ano. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Google News

Whatsapp CGN 3015-0366 - Canal direto com nossa redação

Envie sua solicitação que uma equipe nossa irá atender você.


Participe do nosso grupo no Whatsapp

ou

Participe do nosso canal no Telegram

Veja Mais
Sair da versão mobile