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Artistas amazônicos usam versos, danças e corpos em defesa da floresta

“Na escola, eu sempre encontrei livros que não tinham nada a ver com a minha realidade. Eles falavam sobre tubarão e eu nunca vi tubarão. Falavam......

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Por CGN

“Na escola, eu sempre encontrei livros que não tinham nada a ver com a minha realidade. Eles falavam sobre tubarão e eu nunca vi tubarão. Falavam de frutas, como maçã e morango, que eu nunca tinha comido. Sobre peixes que não eram parte da nossa fauna amazônica. Eu se me sentia perdido nessa literatura. Quando escrevo hoje, penso nos meninos e nas meninas nascidos no meio dos rios e florestas, que andam de canoa. Para que eles possam se identificar com a própria realidade”, diz o poeta.

Nem sempre os escritos de Tiago Hakiy seguiram esse caminho. Pertencente ao povo sateré-mawé, ele nasceu na comunidade Freguesia do Andirá, no município de Barreirinha, no Amazonas, longe de espaços editoriais e grandes centros urbanos. Aos 6 anos de idade, um escritor foi até a comunidade e o ajudou a conhecer o universo dos livros. Aos 19 anos, se mudou para Manaus, onde entrou na universidade e teve a possibilidade de lançar o primeiro livro de poesias.

Os versos iniciais não falavam da realidade cultural dele e do povo indígena. Eram poemas mais idílicos. Tudo mudou quando ele encontrou o escritor Daniel Munduruku, um precursor da literatura indígena no Brasil.

O poeta indígena Tiago Hakiy tem 17 obras publicadas – Tiago Hakiy/Arquivo Pessoal

“Ele me disse assim: ‘Tiago, por que você não escreve sobre o teu povo e a tua origem? Se nós não continuarmos escrevendo sobre nossos povos, o apagamento cultural vai continuar acontecendo’. Ele me instigou a rememorar toda a minha ancestralidade. E a partir daí a poesia passou a destacar nossa riqueza como indígenas da Floresta Amazônica, nossas trocas e cuidados com ela, que é tudo para nós. Ela nos dá alimento, moradia, caminhos e inspirações”, lembra Tiago Hakiy.

O poeta indígena tem hoje 44 anos e 17 obras publicadas. E participações em diversas antologias, as quais ele valoriza muito, por entender que o trabalho coletivo é uma característica importante das comunidades indígenas. Foi com a antologia Apytama, organizada por Kaká Werá, que ele venceu, coletivamente, o Prêmio Jabuti na categoria Livro Juvenil.

“Os povos indígenas são frutos da oralidade. Eu nasci ouvindo histórias dos mais velhos. Naturalmente, a gente aprende a contar histórias que a gente ouve desde criança, e essas histórias são um instrumento de aprendizagem, não só de entretenimento. São uma forma de ensinar e de transmitir conhecimento”, destaca o escritor indígena.

“A literatura serve como uma bandeira para que as pessoas possam nos conhecer melhor. Nossas cultura e tradição, que não são nem melhores, nem piores. Apenas diferentes. E nós queremos ser ouvidos, compreendidos e respeitados”, diz. “Queremos que essas pessoas também cuidem dos nossos rios, das nossas árvores, dos nossos pássaros. Por isso que, quando nós clamamos pela preservação da floresta, sabemos da importância dela não só para o Brasil, mas para todo o planeta. Precisamos que todos tenham esse olhar de sensibilidade para as pessoas que moram dentro da floresta.”

“Os dois bois vêm trazendo mensagens importantes, como a emergência da crise climática, o foco na Amazônia, a preservação dos povos tradicionais. Tudo isso tem que estar inserido no festival”, explicou Marciele Albuquerque, indígena do povo Munduruku e cunhã-poranga do Boi Caprichoso, durante o TEDxAmazônia 2024, evento realizado entre o final de novembro e o início de dezembro, em Manaus.

Segundo a tradição, a cunhã-poranga é “moça bonita, guerreira e guardiã, que expressa a força através da beleza”. Ela é avaliada pelos jurados em critérios como beleza, simpatia, roupas e movimentos. Mas Marciele garante que os atributos dela no festival vão muito além de ser uma mulher bonita.

Nascida em Juriti, no Pará, ela mora em Manaus há mais de 13 anos. É formada em administração e tem participado como ativista contra as mudanças climáticas, a fome e o futuro da Amazônia. Já participou da Semana do Clima, da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova York, Estados Unidos, em 2023. E, no mesmo ano, esteve na Conferência da Juventude pelo Clima, promovida pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em Roma, na Itália.

“Comecei por volta de 2016 fazendo intervenções corporais sobre uma perspectiva transcentrada. Foi quando eu me entendi enquanto travesti. As primeiras intervenções foram experimentações corporais através da vestimenta, do me reconhecer enquanto identidade feminina”, conta Maria Flor.

“Eu morava perto de uma praia e ali começaram as minhas inquietações. Eu via muita degradação, balsas e navios vindo do exterior, pegando água nos nossos rios. Pela BR-163, que corta o Brasil, eu via saindo de Santarém muita soja, milho, tora de árvore, madeira, bauxita, ferro. Tudo que era extraído dali de dentro da floresta. Foi quando eu comecei a fazer intervenções visuais, através de fotos e vídeos sobre esse território que estava sendo poluído”, conta Maria Flor.

Nesse contexto, surgiu a Mulambra, um dos nomes e identidades artísticas da ativista, que daria nome também à marca de roupas criadas por ela, a Mulambra Grif.

“Eu misturei as questões ambientais com as perspectivas do que era o corpo enquanto território e identidade. Eu entendi que a Mulambra era uma energia ancestral que vinha para questionar as situações que aconteciam ali. O quanto era naturalizada uma casa de garimpo na orla da cidade e um corpo travesti, não. Esse era demonizado, expulso de casa, sem acesso a serviços de saúde e educação, sem espaço no mercado de trabalho formal”, diz.

Um dos versos da artista é bem representativo desse impulso de luta e ativismo conectada à natureza amazônica: “Revoltada / Engerou-se / De toda a mata se apropriou / No espinho do cuandú / No aperto da sucuriju / No veneno da surucucu / No cantar do uirapuru / Na magnitude de seu Rei urubu / Na força de sussuarana / No grito de um guariba / Na desconfiança da cutia / Nas garras de um gavião.”

Arte em roupa feita pela artista trans Maria Flor – Maria Flor /Arquivo pessoal

Maria Flor mora há três anos em Belém. A estamparia manual tornou-se símbolo de resistência, conscientização e empoderamento. Peças únicas, produzidas à mão e inspiradas na fauna e flora da Amazônia, viraram um manifesto contra o desmatamento e a poluição. Além de materiais reciclados, a artista usa elementos reciclados e até materiais encontrados em cascas de árvores.

“Muitas vezes a América Latina é vista como lugar para descartar roupas que não foram vendidas na Europa. Eu parto de uma perspectiva de periferia, da pedagogia do lixo. Tudo o que eu faço é reconstruir roupas já prontas, indo em brechó, pegando coisa de segunda mão, ou em lugares de descarte. Reconstruo os tecidos através da estamparia e conto outras histórias”, explica a artista. “Faço com que as pessoas saibam de onde vem tudo isso que a gente está vestindo. Muitas, sem perceber, compram coisas que estão financiando o garimpo, o desmatamento da Amazônia. Tudo isso está amarrado de uma certa forma enquanto comunicação e performance artística.”

Série sobre a Amazônia

A reportagem faz parte da série Trilhas Amazônicas, que abre o ano da 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), a ser realizada em Belém, em novembro deste ano. Nas matérias publicadas na Agência Brasil, povos da Amazônia e aqueles diretamente engajados na defesa da floresta discutem os impactos das mudanças climáticas e respostas para lidar com elas.

* A equipe viajou a convite da CCR, patrocinadora do TEDxAmazônia 2024.

Fonte: Agência Brasil

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